Não, você não leu errado. Este artigo tem como objetivo mostrar Yu-Gi-Oh, o jogo de cartas, com uma outra perspectiva. A perspectiva de um gênero de jogo que normalmente é antagônico em relação a Card Games: Jogos de Luta.
Jogos de Luta geralmente são vistos como o oposto polar de Jogos de Carta, porque a nível superficial eles desenvolvem habilidades radicalmente diferentes uma da outra. Jogos de Luta desenvolvem reflexos, ação rápida. Jogos de Carta desenvolvem estratégia, algo que precisa de tempo pra ser executado propriamente. No entanto, à medida que você afunda nesses tipos de jogos, você percebe que eles têm mais similaridades do que o olho encontra.
1 — Curva de Aprendizado
Tanto jogos de luta quanto Yu-Gi-Oh! são jogos com uma curva de aprendizado bastante íngreme. Quando você é introduzido a um desses jogos, geralmente você vai ter um tutorial pra aprender as mecânicas base do jogo. Muitas vezes, algumas dessas mecânicas base vão ser ignoradas pelo jogador iniciante e, por mais que só usar algumas das mecânicas seja necessário pra completar o Modo História, quando você enfrenta oponentes reais a estória é outra. Quando você enfrenta jogadores humanos, se torna cada vez mais evidente que você, joãozinhogamer321 que acabou de derrotar o Kagemaru no Tag Force 1, não sabe lá muita coisa de Yu-Gi-Oh! pra manter um jogo a mesmo nível dos oponentes. O próprio Kazuki Takahashi sabia disso, escrevendo no editorial do Volume 19 (Duelist Vol. 12):
Há um problema ao tentar expressar a a diversão de jogos de cartas sob a forma de um mangá. Em um jogo de cartas real, quanto mais próximos os níveis de habilidade dos jogadores são, mais divertido é... Mas em um mangá, você precisa manipular a balança de poder para mostrar como o protagonista pode vencer oponentes avassaladores. Então não fique zangado se as pontuações ou efeitos nas cartas do mangá são um pouco diferentes da versão do OCG!
É divertido quando você encontra oponentes com níveis de habilidades e alcance de poder dos decks similares, assim como é divertido você encontrar oponentes com níveis de habilidade e alcance de poder das personagens similares em jogos de luta...
MAS NÃO É FÁCIL.
Por jogos de luta e TCGs em geral serem um divertimento de nicho, é difícil encontrar oponentes que estejam em níveis similares de habilidade. No Brasil isso também se intensifica porque videogames e Yu-Gi-Oh! são caros, e as empresas não têm lá as melhores práticas de negócio. Mesmo a nível de loja local pode haver um skill gap gritante. Isso pode ser resolvido ao tomar algumas medidas mais amigáveis ao casual, sem necessariamente ferir o competitivo (ver o post anterior) para tornar a adesão do público um pouco maior. Esses jogos não são difíceis em si, mas são difíceis no que diz respeito a ter conhecimento técnico sobre ele o bastante para aproveitá-lo bem, e por mais que os jogadores tenham que ser os atores principais em divulgar esse conhecimento técnico do jogo, as próprias empresas poderiam dar um empurrãozinho pra isso. No Japão, existem eventos oficiais de Yu-Gi-Oh! onde você simplesmente joga partidas livres. Você pode trazer quantos decks quiser, pode jogar quantas vezes quiser e com quantas pessoas quiser dentro do limite de tempo do evento. Você pode ganhar prêmios por simplesmente jogar um certo número de partidas, ou ganhar um certo número delas, etc. Você pode até mesmo contar com Professores, um cargo oficial de jogadores experientes cuja função nos eventos é ensinar a jogar e dar conselhos pra melhorar as habilidades de quem já sabe jogar. Desse jeito, a curva de aprendizado fica mais suave de ser enfrentada, com a evolução podendo ser bem mais rápida, mas ainda sim dolorosa. Não se engane, o caminho pra ficar bom em FGs e TCGs é cheio de derrotas amargas.
2 — Interação e Troca de Golpes
Se a gente parar pra pensar, desde o começo Monstros de Duelo foi um jogo com a troca de golpes em mente. A principal prova disso é a mecânica de batalha, onde todos os monstros tem uma versão levemente modificada de Atropelar em Magic: the Gathering. Essa regra possívelmente foi escrita pra encorajar os jogadores a seguir jogando monstros tão fortes quanto possível a cada turno, enquanto lentamente reduziam os PVs um do outro alternadamente. Nos jogos de luta, um conceito parecido é o da Fase Neutra: Um ponto dado no jogo onde nenhum dos jogadores tomou definitivamente o papel ofensivo (botar pressão no oponente) ou defensivo (resistir a essa pressão até surgir uma oportunidade de voltar à Fase Neutra). Quando não é possível jogar um monstro mais forte, você recorre ao modo de defesa, marcando o fim da Fase Neutra. No Yu-Gi-Oh! moderno, a Fase Neutra não é mais tão focada na Fase de Batalha, mas sim nas interações de efeito na Fase Principal, interações essas que geralmente criam uma corrente de efeitos como uma troca de golpes mais metafórica (Desires < Ash < Called < Belle < Crossout < ...) e que quando não são interrompidas pelo oponente criam uma sequência de efeitos informalmente conhecida como combo, assim como nos jogos de luta onde esse termo é dado a golpes conectados em sequência em um curto período de tempo. A Fase Neutra termina quando um jogador claramente possui dominância sobre o campo, normalmente sob a forma de negates ou floodgates. Assim como jogos de luta tem iniciadores, extensores e finalizadores de combos, Yu-Gi-Oh! os têm.
3 — Memorização e Jogos Mentais
Tanto Yu-Gi-Oh! quanto jogos de luta requerem certos estudos de memorização a fim de melhorar suas habilidades neles. Você tem que ver quais decks/personagens se adequam melhor ao seu estilo geral de jogo, depois disso você tem que decorar pelo menos alguns de seus cursos de ação mais fáceis e básicos, dos quais você pode posteriormente evoluir da sua maneira. Pra melhorar ainda mais, você tem que pelo menos ter uma ideia geral do que outros decks ou personagens fazem, te recompensando à medida que você decide estudar sobre potenciais matchups. Aplicar isso em situações reais requer leitura do estado do campo e da mente/emoções de ambos os jogadores, e aí começa um metagame mental, onde a jogada ótima é enganar com sucesso seu oponente em gastar os recursos dele impedindo que você siga por uma rota pra chegar no estado desejado quando você na verdade tem recursos suficientes pra seguir por outra rota que ele possivelmente não viu. Quanto menos informação você revelar pro seu oponente, melhor. Isso conecta muito com o primeiro tópico. Chegar a essa sensibilidade requer muito treino, enfrentar os mesmos oponentes ou oponentes parecidos de novo e de novo, como diria Stevie Blunder: "Playtestar antes de um torneio grande não é ficar bebendo cerveja com os seus amigos na madrugada anterior ao torneio. É jogar com diferentes possibilidades, assumindo sempre o cenário menos favorável".
Obviamente, um mau treinamento nesse metagame mental (simplesmente ignorar esse aspecto dos jogos, por exemplo) ou mesmo jogar esses jogos mentais por um longo período de tempo vai te deixar exausto, vai minar a sua alegria de jogar o jogo, e é exatamente por isso que em alguns torneios de jogos de luta existe uma quantidade considerável de explosões emocionais, quer seja do vencedor ou do perdedor. E mesmo em salas casuais, tem gente que, falhando em reconhecer os pontos onde poderia ter melhorado, vai botar a culpa em tudo e todos exceto em si mesma.
Adaptando pra Yu-Gi-Oh!: Meu Deck brickou E se não brickou, você tava trapaceando E se não tava, você tava jogando com algo que não requer habilidade E se não tava, não é divertido jogar assim E se é, você só liga pra vencer.
A insistência mecânica de jogos de carta em eventos aleatórios aumenta esse fenômeno de jogos mentais, mas não é exatamente algo que não tem um espelho em jogos de luta. Daisuke Ishiwatari, idealizador principal da série de jogos de luta Guilty Gear, disse em entrevista à 4Gamer (em inglês) antes do lançamento do título mais recente, Guilty Gear Xrd ~Strive~:
4Gamer: Em seguida por favor nos permita falar sobre a gameplay. Comparado à série Xrd, eu senti que o dano causado pelos jogadores era bem alto. Você planeja em manter esse nível de dano?
Ishiwatari: Certamente a quantidade de dano causada aumentou, mas ao ver nossos dados dos jogos de testes, a duração de cada partida não mudou tanto quanto a dos títulos anteriores. Isso mostra que a Fase Neutra e os Jogos Mentais se expandiram.
4Gamer: Certamente eu não obtive a impressão de que as partidas eram curtas a partir dos jogos que eu joguei.
Ishiwatari: Os títulos até agora se focavam em fazer longos e difíceis combos para causar grandes quantidades de dano, mas a fim de realizar essas técnicas uma grande parcela de tempo em prática era necessária. Nós queríamos revisar esta parte do jogo, e tornar mais fácil ter a chance de vencer contra jogadores de níveis maiores. É claro, estamos nos certificando que o jogo recompensa jogadores que gastam tempo praticando, então por favor não se preocupem.
4Gamer: Em títulos anteriores, seu sucesso estava ligado à sua habilidade de fazer combos e preparações altamente difíceis. Ao simplificar esta parte, eu vejo que você está colocando mais ênfase nos jogos mentais.
Ishiwatari: Até agora, eu mirei em criar jogos de luta que se jogam como Shougi (xadrez japonês). Shougi é um jogo onde se há um vão entre as suas habilidades e as habilidades do oponente, você quase nunca vai perder. No entanto, a fim de combinar com tendências recentes, era necessário mudar essa parte. Eu não sei se isso é um exemplo próprio, mas eu acho que eu estou mirando em criar algo próximo a Mahjong. Gameplay onde movimentos confiantes, leituras e sorte podem permitir que alguém tome a chance de vencer.
4 — Faz sentido que Yu-Gi-Oh! seja um jogo de luta.
Eu já bati nesta tecla várias vezes, mas não custa lembrar: Yu-Gi-Oh! é um shounen de lutinha. As cartas não passam de veículos para demonstrar as forças e fraquezas de cada personagem. E se estamos mexendo com "forças", então por que não dizer "poderes", "magia", "golpes de assinatura", etc.? No fim das contas, monstros são os golpes, mas também são as esquivas. Magias e Armadilhas baixadas são as leituras prevendo certos golpes. Efeitos de monstros geralmente são iniciadores, extensores e finalizadores de combos. Você vence ao exercer tamanha pressão no oponente, distribuida pela duração do jogo, a ponto de ele não ter saída. Um xeque-mate, por assim dizer. E mesmo quando as coisas parecem difíceis, a confiança em tudo o que o levou àquele momento é o que impulsiona o protagonista a não perder. Ele mesmo, os amigos, o propósito de descobrir seu passado, o destino, poderes divinos etc. fazem com que ele encontre a luz no final do túnel e, com uma mente limpa e resoluta, consiga vencer seu oponente, criando momentos icônicos:
No fim das contas, o nosso oponente nesses tipos de jogos somos nós mesmos, mais do que quem está sentado ao outro lado da mesa. Muitas vezes nós só podemos culpar legitimamente a nós mesmos pelas coisas ruins que acontecem com a gente, e então abrir espaço em nós mesmos para a melhora e uma boa relação com o próximo, representado pelo oponente, que também representa a nós mesmos. Takahashi também iria dizer, no seu editorial do Vol.7 do Millenium World, que "os oponentes com os quais as personagens jogavam refletiam seus corações". Então, pela derrota, nós percebemos que somos falhos e precisamos melhorar para melhor interagir com os outros, e na vitória nós provamos que superamos a nós mesmos, e por sermos mais fortes, podemos nos dar o luxo de sermos mais gentis com os outros. Essa jornada só termina quando a gente morre.
Conclusão
Muito obrigado por ter lido até aqui. Eu espero que ao fechar esta aba você tenha obtido um novo conhecimento não só sobre Yu-Gi-Oh! e jogos de luta, mas também sobre a filosofia que eles trazem para a vida: Uma chave para voar ao Jogo Transcendente. Fique com Deus e até a próxima.
Primeiramente, eu quero agradecer a três colegas. Sem discussões que eles e eu fizemos, este post não seria real. Alguns de vocês na yugiesfera brasileira podem conhecê-los como Robotto, Bey e Zian. Eu quero agradecer principalmente ao Robotto, porque ele que fez um textão sobre como o foco na acessibilidade, casualidade e colectividade fizeram com que Magic e PokéTCG se tornassem os dois maiores jogos colecionáveis que existem.
A esse ponto, eu iria apenas reproduzir o texto do cara, mas eu acho que seria melhor eu começar com alguns pontos que eu queria escrever aqui (ou que eu já escrevi na página do Facebook) mas que eu não sabia como:
Yu-Gi-Oh! não é uma série de Card Battler.
Não é surpresa pra quase ninguém aqui, mas Yu-Gi-Oh! não começou como um anime de jogo de cartas. Ele começou como um mangá onde o protagonista pune malfeitores jogando jogos. Entre eles, estava o famigerado Magic & Wizards, mais tarde renomeado Monstros de Duelo. Mesmo após este ter se tornado o jogo central da obra, a ideia de Takahashi (que Deus o tenha) de um protagonista de shounen que luta com as pessoas usando jogos ainda se mantém visivelmente de pé. Duel Monsters era apenas um dispositivo de enredo no qual as forças e fraquezas dos duelistas eram exibidas: Era o Sistema de Magia da obra. E isso se traduziu em que tipo de pessoa começou a jogar Yu-Gi-Oh! lá no comecinho: Crianças.
Arte do jogo "Yu-Gi-Oh! Rush Duel: Saikyou Battle Royale"
As crianças se interessaram demais por esse jogo que, nos dois duelos entre o Yugi e o Kaiba nos 59 primeiros capítulos, era só "eu tenho o maior número, então eu venço". Elas se investiram na fantasia de "fazer que nem o Yugi e o Kaiba e jogar monstros maneiros". À medida que o mangá foi avançando e o jogo, tanto o fictício quanto o OCG, foi se desenvolvendo, um elenco maior de personagens duelistas foram surgindo. Quando alguém entrava na playerbase do Card Game, queria reviver as batalhas épicas que viu na TV, e construir seu próprio caminho para se tornar um Duelista Lendário como Yugi, Kaiba, Jonouchi, Malik, e muitos outros... Podemos dizer que entre os adultos esse negócio de "Duelistas marcantes" tem como sucessor espiritual os Yugitubers, que podem não ser as pessoas mais lúcidas da comunidade mas com certeza são extremamente populares.
Inevitavelmente, sem os animes de Yu-Gi-Oh!, a popularidade desse jogo não ia ser tão grande. Eu estou chovendo no molhado aqui, mas de uma forma necessária: Essa brincadeira de colocar as rodinhas de treino do anime na bicicleta do OCG durou quase 20 anos (teria durado exatamente 20 se VRAINS não tivesse acabado mais cedo). Essa mudança de paradigma na franquia onde o Master Duel não mostra personagens dos animes e os animes agora são focados em um formato mais casual e obviamente voltado pro público infantil é uma consequência da Konami lentamente aprendendo a questão de formatos/jogos alternativos, e quando eu digo lentamente é LENTAMENTE, desde os anos 2000 com aquele arco filler do Mundo Virtual. Essa casualização é justamente porque eles entenderam, ainda que um pouco tarde demais, que não dá pra manter um foco muito grande no competitivo sem sacrificar acessibilidade do jogador novato. E aqui eu digo acessibilidade não só em "ter as cartas competitivas", mas também em "ter conhecimento teórico do competitivo".
É aqui que entra o textão do Robotto:
Pra começar falando desse assunto, é importante falar sobre duas coisas: Magic e PokéTCG. Não à toa, os dois maiores cardgames físicos, tanto em número de jogadores quanto em lucro. Os dois tem uma visão de mercado e uma linha de produtos muito similar, que visa acessibilidade acima de tudo enquanto lucra de maneiras mais fora do "simplesmente vender cartinha". Magic investe muito em artes alternativas, quem só quer a carta não precisa se preocupar tanto com preço quanto quem quer a versão mais bonita e exclusiva da carta. Não só isso como existem produtos focados exatamente nisso, exclusividade e não acessibilidade da carta. PokéTCG segue uma linha muito parecida. Junto disso, ambos tem um enorme apelo para outro tipo de grupo: colecionadores. Outro ponto em comum deles é a acertividade do mercado. O grosso dos jogadores desses cardgames (O grosso dos jogadores de todos os cardgames, mas esse é um ponto pra ser mais abordado posteriormente) é casual. Casual em um nível muito acima de "Não jogar com decks bons", casual no nível de sequer realmente saber as regras direito. Mark Rosewater (Chefe de design de Magic) tem um termo para isso: Jogador de mesa de cozinha. Gente que nunca tocou em torneios ou em formatos sancionados, que joga apenas por gostar e achar divertido. Jogadores competitivos são uma minoria esmagada. Isso é relevante pois significa que a grande maioria dos jogadores não está interessada em investir pesado nesse hobby, o que entra no ponto de Magic e Pokémon serem muito baratos para um hobby. Eles sabem mirar no que o público quer e precisa.
Naturalmente sempre ouve certas cisões entre Ocidente e Oriente dentro do mercado de jogos, é de se esperar que com os cardgames não fosse diferente. Isso é facilmente visível com Vanguard, Yugioh, Buddyfight e Duel Masters (Esse próprio da Wizards) que possuíam um apelo muito diferente. Eles não visavam serem bons produtos para se colecionar e tão pouco miravam em serem desperdiciosos. Pode se dizer que eles eram mais "elitistas", eles queriam que seus jogadores jogassem "direito" e "a serio", em torneios e afins, uma visão muito sustentada por seus animes inclusive.
Ai entra o questionamento, isso estava certo? O público oriental realmente era tão diferente assim do ocidental? Eles realmente visavam algo serio e competitivo? Hoje em dia tudo indica que não, que nunca foi assim. De maneira geral, nenhum desses cardgames realmente vingou de verdade, eles no máximo se mantiveram no mercado. Olhem pra Vanguard, Buddyfight e Duel Masters.
Magic e PokeTCG são muito maiores, tanto no TCG quanto no OCG, que quaisquer outros. A visão ocidental deles estava dando mais certo exatamente pq ela não era uma visão "ocidental" mas sim a visão correta do público de cardgames. Yugioh conseguiu seguir "firme e forte" por conta da popularidade que ganhou com o anime, principalmente no ocidente, mas nunca conseguiu concorrer com Magic ou PokeTCG. Ele não investe em formatos casuais, não investe em direcionar uma parte de seus produtos para colecionadores, não investe em baratear seus produtos em troca de investir exclusividade. Não à toa, Yugioh se mantém como um cardgame muito mais nichado (O número de jogadores de Magic no estado de São Paulo é quase 1/3 do número de jogadores de Yugioh no brasil inteiro), eles tem um público fiel, mas que não está crescendo.
Não está crescendo no físico, pq a cada ano o DL cresce cada vez mais, ao ponto que hoje em dia é basicamente ele que sustenta yugioh.
Também não atoa que eles criaram o Rush Duel. É tarde demais pra tentar mudar a forma como eles fazem yugioh, nada mais justo do que tentar investir em outra coisa, algo pra mirar onde eles erraram. Também não à toa Rush no OCG já tá quase tão grande quanto o físico.
Basicamente, o que ele diz é que a mentalidade vencedora no gênero de TCGs é que você deve manter acessibilidade ao jogador entrante/casual e a especulação para o colecionador mais do que mantém a complexidade competitiva do jogo, porque no fim das contas existem muito mais jogadores casuais do que competitivos. E num país como o Brasil, onde Yu-Gi-Oh! só teve duas séries dubladas que passaram na TV aberta, essa verdade se intensifica ainda mais. O fã brasileiro médio ficou extremamente chocado ao instalar Master Duel e ver que o jogo não se joga mais da mesma forma que se jogava a uns 20 anos atrás. Veja Magic e Pokémon, por outro lado. Suas mecânicas base ainda são extremamente legíveis pro espectador. Alguém que acabou de começar a jogar Magic sabe que quando alguém vira as cartas de terreno ele tá gerando mana pra conjurar alguma coisa. Alguém que acabou de começar a jogar Pokémon sabe que só dá pra anexar 1 Energia por turno e evoluir 1 vez por turno cada Pokémon, e o resto você se vira lendo as cartas, cartas essas que não são muito complicadas de ler ou entender na prática e algumas delas nunca saem de rotação. Fora isso, esses dois jogos também te dão formatos casuais pra você experimentar e se divertir da maneira que achar melhor. Yu-Gi-Oh! por outro lado...
"Eu odeio Yu-Gi-Oh! Eu invoco 1 carinha, e então meu oponente joga uma Magia com cinco parágrafos de texto mais notas de rodapé e diz que porque eu dormi menos de 8 horas noite passada ele pode invocar o Dragão Destruidor de Culhões ou algo assim e o jogo acaba e eu deveria ir me f..., eu acho."
Essa mentalidade extremamente competitiva, chegando a ser arrogante, é algo que o próprio autor do mangá não queria que acontecesse com os jogadores de seu jogo. Ainda assim, aconteceu por conta da mentalidade do estilo de vida de TCGs por lá. Eu vou dar um exemplo: Monster Collection TCG.
Monster Collection TCG Conjunto de Iniciantes: Duelistas da Cidade Santa
Monster Collection era, junto com Pokémon TCG, um hit no cenário japonês de jogos colecionáveis. Foi publicado pela editora de RPGs Fujimishobo e projetado pelo GroupSNE, criador do sistema Sword World, uma adaptação do Sistema D20 para melhor se adequar ao estilo de vida japonês. Os jogadores também eram ávidos consumidores dos RPGs das duas editoras, e como RPGs demoram pra lançar produtos, eles eram pacientes, o que era necessário porque MonColle não lançava produtos na mesma velocidade que outros de seus contemporâneos. A lenta adição de novos recursos fez com que conhecimento teórico sendo obtido sobre o jogo fosse traduzido em habilidade bem mais rápido do que em outros card games, se tornando altamente competitivo, e sendo validado tanto pela playerbase quanto pelos criadores como um estilo de vida. Acontece que, com a coleção "Monster Collection 2", foi anunciada uma rotação, onde apenas as duas coleções mais recentes estavam válidas. Obviamente, isso não deixou os jogadores nada contentes, se sentindo alienados. Um tempão de dedicação ao jogo jogado no lixo. Isso fez com que jogadores insatisfeitos migrassem para outros jogos, como Leaf Fight, Aquarian Age, Digimon 1999 e por último, mas não menos importante, Yu-Gi-Oh! Essa foi a primeira morte de MonColle, e o jogo reencarnou várias vezes, com a versão da Bushiroad (responsável por jogos como Vanguard, BuddyFight, Weiss Schwarz...) sendo a que durou mais tempo. A versão mais recente é da própria Fujimishobo, agora comprada pela Kadokawa, mas é um ECG ao invés de TCG (ou seja, todas as cartas de uma coleção se encontram num único produto da coleção), e com apenas duas coleções.
Monster Collection Deus: Shamballa das Estrelas Gêmeas, a coleção mais recente.
A primeira morte de MonColle resultou em uma das medidas de design que a maioria das empresas de TCGs no Japão tomam até hoje: A não-existência de rotação de coleções nos seus jogos. Pokémon sendo uma das mais notáveis exceções. No entanto, Pokémon já não é o monstro que era antes lá justamente por ter escolhido esse formato de rotação. Por um lado, não existir rotação é bom, porque não importa o quão velha é a sua carta, se ela não estiver banida, pode ser usada. No entanto, como você como empresa pode fazer que o seu jogador investido e o iniciante comprem mais produto, sendo que o investido já tem tudo o que precisa, sem rotação? A resposta é powercreep. Para leigos na linguagem de jogos, powercreep é quando o conteúdo novo é objetivamente melhor que o conteúdo antigo. Powercreep não é de todo ruim, você pode usá-lo como ferramenta até chegar no estado de jogo que você deseja, mas de fato é uma solução feita muito mais com o competitivo em mente, e também uma solução que pode ser extremamente zoada de acordo com a maneira que é feita. Vanguard precisou de vários reboots porque a Bushiroad não soube conter o powercreep, e cada carta geralmente só aparece em apenas uma coleção para nunca mais. Isso aumenta muito a barreira de entrada do jogador iniciante/casual e portanto é uma decisão contrária à "mentalidade vencedora". Yu-Gi-Oh! também faz coisas parecidas, mas disfarçadas. O modelo de jogar por arquétipos dificulta muito a manutenção do jogo à medida que novas coleções saem, porque escolher alguns arquétipos pra ficarem mais fortes ou criar novos naturalmente mais fortes é esquecer os outros no churrasco. O exemplo mais marcante é o Guardião dos Portões, que nem arquétipo é, é apenas um monstro vanilla cujas partes integrantes são bem mais úteis sozinhas. O trambolho existe no jogo da Konami desde quando este tinha 6 meses de idade, e ATÉ HOJE não recebeu suporte nenhum. #JustiçaParaGuardiãoDosPortões
Fora isso, alguns arquétipos quando ganham suporte não têm seu pacote básico reimpresso, tornando os produtos apenas para uso dos jogadores que já têm esses pacotes básicos, aumentando a barreira de entrada do jogador iniciante. Uma lista com alguns dos arquétipos que ganharam suporte mas não tiveram seu pacote basico reimpresso (obrigado de novo, Robotto), incluem:
Vendread,
Melodious,
HC,
Predaplant,
Red-Eyes,
Symphonic,
Sylvan,
D/D,
Ghostrick,
Magnet,
Penguin,
Triamid,
Majespecter/Dinomist/Igknight,
Chronomaly,
Laval,
Bujin,
Metalfoes,
Windwitch,
Ojama,
Constellar,
Arcana Force,
PK,
RR,
Infernity,
Nephthys,
Phantasm
E grande elenco...
A cura pra tudo isso seria simplesmente puxar a alavanca do Red Reboot e repensar o jogo todo do zero, ainda respeitando a visão do Takahashi. O problema é que japoneses têm medo de reboot (Rotação e reboot são termos intercambiáveis por lá, inclusive). Se Yu-Gi-Oh! sofresse um reboot no seu OCG, as coisas não iam dar muito certo pro jogo. Ele poderia ser estável? Sim, mas nunca voltaria a ser tão popular como foi (especialmente sem um anime pra promover), e eu não acho que a Konami está disposta a perder dinheiro no longo prazo só pra deixar um jogo saudável. Ela tava vendendo NFTs de Castlevania a uns meses atrás, sukuama! Por isso, a Konami começou a investir em jogos alternativos, que visavam a experiência anime/casual da franquia mais do que a competitiva. Assim, nasceram o Duel Links, onde você pode encarnar as personagens que você tanto ama e usar habilidades delas junto com decks que sintonizem bem com as mesmas, o Rush Duel, um formato simplificado focado principalmente no público infantil, e o Cross Duel, que é uma mistura de Party Game com Dating Simulator e árvore de habilidade pros monstros, até os que originalmente eram Vanilla/Rush...
LIBERA A ROMIN NO CROSS DUEL KONAMI EU IMPLORO UOOOOOOOOOOOOOOOOHH KODOMO ERO KODOMO NO HARA TO MUNE ERO DA 😭😭😭😭
Desse jeito, o OCG poderia não ser rebootado, mas os produtos estariam abertos a jogadores mais casuais, e os resultados falam. Duel Links é praticamente o que dá mais dinheiro pra Konami em nome da franquia Yu-Gi-Oh, mundo VRAINS tá vindo aí, e os Rush Duels estão sendo tratados com tanto esmero no Japão ao ponto de que suas vendas estão quase superando as do OCG, tá vindo um segundo videogame com os eventos de GO RUSH.
É claro, esses jogos alternativos não são tão vistos com bons olhos quanto o TCG por aqui. Talvez Duel Links e o Speed Duel ganhem um passe, mas mesmo assim eles são vistos apenas como conteúdo secundário e antigamente eram muito mais segregados como "casuais imundos *escarra e cospe*". E Rush Duel... A reação de boa parte da fanbase ocidental quanto a Rush Duel é:
Talvez seja por isso que Rush Duel ainda não lançou por aqui sendo que SEVENS já tá sendo exibido faz um tempinho...
De qualquer maneira, fã de yugioh por aqui é extremamente dodói da cabeça (eu incluso), talvez justamente por meio da injeção da mentalidade de que "Papelão Superfaturado is serious business". Obviamente essas decisões de aumento da casualidade não agradam todo mundo, mas elas são necessárias de qualquer maneira se não Yu-Gi-Oh como marca simplesmente morre. 2022 não é que nem no começo dos anos 2000 onde só tinha Pokémon e Magic de concorrente sério e tinha o anime baseado no mangá original com toda a sua glória bizarra. De fato, os anos 2020 estão trazendo uma verdadeira renascença pro gênero TCG: Digimon 2020, One Piece, Flesh and Blood, Vanguard com o reboot de OverDress, Shadowverse Evolve, UniVersus (que teve sua expansão de Boku no Hero recentemente) e outros títulos menores que poderiam se aproveitar muito bem da carcaça de um certo gigante do gênero, e eu vou dar uma dica de quem é: Não tem como ser o primeiro TCG ou o TCG da franquia de mídia que mais move dinheiro no mundo. Os anos de 2014 em diante trouxeram estragos irreparáveis no jogo principal, já estamos no ponto de não-retorno. Se Yu-Gi-Oh! parar de se abrir ao público casual, a sociedade tabuleirista eventualmente evoluirá para além da necessidade de um jogo tão desnecessariamente complicado. Sua única opção é evoluir e seguir em frente, mesmo que isso signifique fazer gente como o Sword Hunter da Cartas do Yu-Gi-Oh! com Legendas Maneiras e Bacanas se sentir traída. E como Yu-Gi-Oh! é uma franquia que lida muito com evolução inesperada e ciclos, eu sei que ela tomará essa opção de bom grado.