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Nesses últimos tempos, está fixado na minha consciência de que tudo o que consumimos impacta de alguma forma na maneira que pensamos. Não estou tentando repetir ou legitimar completamente o sensacionalismo das redes de TV que dizem que "jogar videogames automaticamente te deixa violento", "uma hora de Free Fire é equivalente a cheirar quatro carreiras de cocaína de uma vez" ou coisas do gênero. O que eu quero dizer é que se isso não fosse verdade, não daria pra afirmarmos coisas como "Yu-Gi-Oh! me ajudou quando eu estava passando por tempos difíceis", "Pornografia destrói o seu cérebro" ou mesmo citando J. R. R. Tolkien "Eu acredito em contos de fada, não porque eles dizem que existe um dragão, mas sim porque eles dizem que o dragão pode ser derrotado". Ou seja, quando eu digo que tudo o que consumimos impacta em nós, não digo que o que nós consumimos é a causa dos nossos comportamentos, mas sim um catalisador deles. Assistir coisas que passam boas mensagens te inspiram a seguir bons exemplos. Assistir conteúdo que não passa nada de bom te inspira a também não fazer nada de bom. Obviamente, quem é o juiz definitivo do que você vai fazer com sua vida é você mesmo, e ações criam ciclos que se retroalimentam. Quanto mais coisas boas você faz, mais chances você tem de continuar fazendo coisas boas. Quanto mais coisas ruins você faz, mais chances você tem de continuar fazendo coisas ruins. Nós criamos hábitos, que depois se tornam virtudes ou vícios.
"Mas Paruko, por que você tá dizendo tudo isso?"
Bom, quando você era adolescente, você provavelmente adorava assistir um ou mais animes "edgy", daqueles cheios de violência gratuita, sangue, etc. e tal. A lista tem vários clássicos: Tokyo Ghoul, Mirai Nikki, Blood+, a série When They Cry entre outros. Alguns dessa lista poderiam até ter alguma mensagem mais profunda, como Death Note e seu "Quando o homem tenta fazer o papel de Deus, sempre dá beyblade", mas a gente queria assistir normalmente porque vê o protagonista ou outra personagem que gostamos sofrer, mas retribuir de maneira extremamente violenta. Ali, nós ficávamos satisfeitos com "a justiça sendo feita pelas próprias mãos do protagonista", e também nos identificávamos com o sentimento de que, "por que ninguém nos entende nós rejeitamos a sociedade 🤡🤡🤡". Aqui, nós vemos um desejo primordial do ser humano: A sede por justiça.
Justiça
Aristóteles define "justiça" como "uma disposição para realizar ações que produzem e conservam a felicidade, e os elementos desta, para uma comunidade". Se todo mundo usar de pertences pessoais é uma condição para a felicidade, a justiça está em permitir que todos os usem ou os transfiram por livre e espontânea vontade. Uma perturbação óbvia a essa condição seria um assalto, ou uma taxa de juros abusiva ou ainda condições de trabalho ou práticas de negócio abusivas. Virtudes são disposições para as coisas boas, e portanto justiça é uma virtude. Inclusive, no pensamento cristão, a Justiça é uma das "Quatro Virtudes Cardeais": Virtudes que o ser humano pode atingir pelo esforço. As outras são Fortaleza, Prudência e Temperança. Alguém pratica a Virtude da Justiça quando dá ao próximo aquilo que é de seu direito.
Na mitologia chinesa, a personificação da justiça é um juiz chamado Bao Zheng, que viveu por volta do Século XI. Relatos dizem que ele era incorruptível, astuto, e que acabou com a cobrança abusiva de impostos em Duanzhou, onde foi prefeito. Você provavelmente deve conhecê-lo por essa cena aqui (pule para 4:54):
Nesta cena, o Juiz Bao lê uma acusação feita ao esposo da filha do Imperador, Chen Shenmei. Sua esposa original, Qin Xianliang o acusou de tentar matar tanto a ela quanto a seus dois filhos a fim de que não se gerasse um escândalo, tendo para isso mandado um soldado que, ao perceber que a ordem era injusta, se suicidou em um santuário. O interessante na ópera é que o juiz não age como alguém completamente imparcial. Ele na verdade investiga o caso dado por alguém para ver se as acusações são verídicas e então dá o veredito. É algo bem parecido com o que o Yami Yuugi faz em seus jogos das trevas.
Batsu Game
Na comédia japonesa, um "Batsu Game" (literalmente "Jogo de Punição") é algo que acontece ao perdedor de um jogo ou uma aposta que envolve fazer algo desconfortável como punição por ter perdido ou quebrado as regras. Aqui no Brasil, isso poderia ser interpretado como "pagar mico" ou "pagar prenda", o que é muito comum em jogos de socialização.
Em Yu-Gi-Oh!, os Batsu Games ocorrem quando um Jogo das Trevas é concluído. No entanto, isso é levado ao seu extremo sádico. Porque os Jogos das Trevas são jogos que definem o futuro e que põe as virtudes e vícios de alguém sobre juízo, o perdedor de um Jogo das Trevas é verdadeiramente punido por suas faltas, sejam elas falhas de caráter ou menor importância na trama do destino, dado aquele contexto. No começo do mangá, a gente consegue ver que Yami, que originalmente era a Sombra Jungiana de Yuugi, punia pessoas que causavam sofrimento a ele e seus amigos, mas a proporção nas quais algumas das punições aconteciam eram completamente zoadas. Me extorquiu na escola por ter batido nos caras que faziam bullying comigo sendo que eu nem pedi por isso? Fique maluco achando que as folhas de uma árvore são dinheiro. Fez meu interesse romântico de refém? Pega fogo aí, então. Não quer nos dar a melhor barraca pro festival estudantil? Tome pólvora na cara! Roubou a carta super mega rara do meu avô? Esteja sob a constante sensação de que vai morrer em um mundo habitado por monstros. Fez isso de novo? Tenha sua alma aquebrantada pra aprender a ser humilde. Parece algo no que o adolescente edgy se amarraria e que deixaria os pais preocupados recorrendo ao sensacionalismo da TV.
Mas para nossa felicidade, nem só de edgygisse vive este mangá. Apenas à medida que Yuugi foi crescendo e "aceitando seu outro eu", Yami foi capaz de administrar as punições em porções bem mais justas, até o ponto de descobrir o que havia feito no Antigo Egito e se redimir por isso ao destruir Zorc de uma vez por todas. Os fãs de Yu-Gi-Oh! sentem que o que Takahashi queria contar é a história de opostos polares aprendendo um com o outro e crescendo juntos, até o ponto da inevitável partida, onde os dois seguiriam rumos diferentes. Yuugi era um menino gentil e amigável, mas covarde, incapaz de fazer justiça quando era necessário por sua parte. Atem tinha a iniciativa que Yuugi precisava, mas era um completo sádico. Parecia que Yuugi não tinha resolvido o Quebra-Cabeça do Milênio, mas sim a Configuração do Lamento da franquia Hellraiser, com Atem agindo como um cenobita, sendo incapaz de fazer justiça por ignorar a dignidade humana daqueles a quem punia. Apenas crescendo juntos, foram descobrindo que "o Poder e a Justiça residem no Nome dos Deuses". Yuugi cresceu e tentou enfrentar Diva por justiça ao que ele fez com seus amigos. Atem transcendeu e retornou para punir o mesmo com justiça divina, destruíndo o espírito que o possuía. Yuugi agora sente a necessidade de contribuir para os jogos e amizades que o fizeram passar por momentos difíceis, então podemos dizer que sua aspiração por se tornar um criador de jogos nasce de justiça. Atem sumiu com o Quebra-Cabeça do Milênio a fim de não despertar novos inimigos que usariam de injustiça. Então apesar de isso se encaixar mais em prudência do que justiça, ainda há uma tangente.
Conclusão
Eu espero que o que você tenha lido aqui possa te afetar para o melhor, para que você possa agir com justiça para com o próximo. Traçar limites que não podem ser transpostos e punir as pessoas que traçarem esses limites, mas sem esquecer que elas são humanas como você, e precisam de todas as chances possíveis para se redimir. Um abraço, fique com Deus e até a próxima.


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