domingo, 10 de agosto de 2025

Magic & Wizards: Regras Pré-Battle City


 

Este artigo é a minha leitura das regras do jogo fictício Magic & Wizards, apresentado em Yu-Gi-Oh e depois trazido à realidade pela Konami. Será escrito sendo pensado como um manual de regras. Note que algumas explicações dadas pelo próprio mangá às vezes são inconsistentes com o que realmente acontece. Eu tentei ao máximo seguir às coisas de acordo com minhas próprias observações.


O que é Magic & Wizards?
Magic & Wizards é um jogo de cartas colecionáveis. Você montará um baralho com as cartas que você colecionar e jogará contra colegas que também construíram seus próprios baralhos. O jogo representa uma batalha entre dois magos, que usarão feitiços e invocações de todos os tipos para destruir o mago oponente.

Do que eu preciso para jogar?
• Um baralho de 40 cartas de Magic & Wizards
• Um colega, que também terá seu próprio baralho de 40 cartas de Magic & Wizards
• Papel e lápis ou caneta, para anotar as mudanças de Pontos de Vida e fazer anotações

Você também pode precisar de

• Dados e moedas, para resolver efeitos aleatórios ou servir como marcadores
• Calculadora, para ajudar alguns cálculos pertinentes, como dano ou aumento de pontos

Conhecendo as Cartas!

Cartas de Monstro

Cartas de Monstro são o principal meio pelo qual você vai causar dano ao seu oponente e se proteger de dano. Uma Carta de Monstro tem:
Nome: O nome do monstro representado.
Nível: O nível do monstro. Um indicador geral de seu poder.
Arte: Você não iria querer jogar esse jogo se fosse só um amontoado de texto.
Elemento: Um dos Traços de monstros. Os elementos são:
• Fogo
• Água
• Madeira
• Metal
• Terra
• Relâmpago
• Trevas
• Luz
Tipo: Um dos outros Traços de monstros. Os tipos são:
• Demônio
• Guerreiro
• Fera
• Fera Guerreira
• Fera Alada
• Inseto
• Dinossauro
• Peixe
• Serpente Marinha
• Zumbi
• Mago Branco
• Mago Negro
• Ilusionista
• Dragão
• Máquina
• Rocha
Outros Traços: monstros podem ter outras características descritivas úteis para a resolução de efeitos.
Efeito: Alguns monstros têm habilidades especiais. Elas são descritas nos efeitos.
Poder de Ataque (ATK): Quanto estrago esse monstro faz em um único ataque.
Poder de Defesa (DEF): A magnitude do ataque que esse monstro pode suportar.

Cartas de Magia

Cartas de Magia são técnicas, encantamentos, suportes de todo tipo para ajudar seus monstros e te dar vantagens. Uma Carta de Magia tem:
Nome
Arte
Efeito: Que tipos de apoio essa carta te dá. 

Cartas de Armadilha

Cartas de Armadilha são artifícios que você prepara no campo. Quando seu oponente cometer a ação específica, a armadilha dispara e seus efeitos são ativados! Uma Carta de Armadilha tem:
Nome
Arte
Efeito

Organizando a Mesa
A mesa de jogo é dividida em partes onde as cartas residem para uma melhor organização.
Baralho: Você bota seu baralho aqui. Daqui é que se compram as cartas.
Mão: Daqui você joga ou baixa as cartas no Campo.
Campo: É aqui onde as cartas podem cumprir seu papel.
Cemitério: Para onde as cartas vão depois de serem usadas, e os monstros depois de serem derrotados.

Se preparando para jogar
  1. Embaralhe o seu baralho
  2. Corte o baralho de seu oponente
  3. Decidam quem vai primeiro por sorteio
  4. Cada jogador compra 5 cartas do seu baralho
  5. Definam seus Pontos de Vida (PVs) como 2000. Se os seus PVs caírem para 0, você perde o Duelo.
  6. O jogo começa com a primeira vez de jogar do primeiro jogador

Fluxo da vez de jogar
  1. Você pode (mas não precisa) comprar 1 carta do seu baralho.
  2. Você pode fazer as ações abaixo em qualquer ordem (ou pode até não fazê-las):
    1. Jogar uma carta, jogar um combo de cartas ou baixar uma carta (apenas uma vez durante a sua vez de jogar)
    2. Baixar uma Magia/Armadilha (apenas uma vez durante a sua vez de jogar)
    3. Definir a Posição de Batalha de um monstro com o qual você não atacou ainda (uma vez para cada monstro que você controla e que não batalhou durante a sua vez de jogar)
    4. Atacar com Monstros que você controla em Posição de Ataque (uma vez para cada monstro que você controla em Posição de Ataque durante a sua vez de jogar)
  3. Terminar sua vez de jogar. Se você não tiver monstros em Campo a esse ponto, você pode jogar um de sua mão.

Jogando Cartas

Jogando uma carta

A carta a ser jogada é um Monstro ou uma Magia. Armadilhas não podem ser jogadas desta forma.
Ao jogar um monstro, decida seu modo de batalha: Ataque (a carta é colocada na vertical) ou Defesa (a carta é colocada na horizontal). Ao jogar uma Magia, faça o que o seu texto diz e depois coloque-a no Cemitério, exceto se seu efeito for contínuo ou se ela tiver a palavra-chave "Item".

Jogando um combo

Um combo é quando duas ou mais cartas são jogadas em sequência, de modo que cada carta jogada a partir da segunda afete pelo menos uma das cartas ou efeitos resultantes das cartas anteriores.

Baixando cartas

Você pode baixar qualquer carta. Baixar uma carta é colocar a carta virada para baixo para ser usada mais tarde. Se você baixar um monstro, você ainda deve decidir sua posição de batalha. Após baixá-lo, você pode virá-lo para cima e jogá-lo durante suas vezes de jogar. Se um monstro do oponente atacar um monstro baixado seu, ele é revelado. Se você baixar uma magia, você pode virá-la para cima e jogá-la quando quiser, inclusive na vez de seu oponente. Se você baixar uma armadilha, ela só será ativada quando a ação que serve de gatilho for feita e, após isso, ela vai para o Cemitério, exceto se seu efeito for contínuo ou se ela tiver a palavra-chave "Item".

Atacando com Monstros

Você ataca com um monstro por vez. Exceto quando uma carta diz o contrário, cada um dos seus monstros só pode atacar uma vez durante a sua vez de jogar. Após decidir quem vai atacar, decida o que será atacado. Você pode atacar qualquer monstro (inclusive os seus), qualquer carta com a palavra-chave "Item" (inclusive as suas) e cujo controlador não tenha outros monstros, ou qualquer jogador que não tenha outros monstros (inclusive você mesmo).

Monstro VS Monstro
Para definir o resultado de uma batalha, usamos a estatística relevante de acordo com a posição de batalha dos monstros. Se o monstro estiver na Posição de Ataque, usamos o ATK dele. Se estiver na Posição de Defesa, usamos o DEF dele.

ATK VS ATK: O monstro com menor ATK é destruído (os dois, se der empate) e seu controlador leva dano em seus PVs igual à diferença dos ATKs. Monstros destruídos vão para o Cemitério.
• No caso do monstro atacante ter ATK menor ou igual ao do monstro atacado, o monstro atacado contra-ataca. Para fins de mecânica, isso também é considerado um ataque do monstro atacado.
ATK VS DEF: Se o ATK for maior, o monstro atacado é destruído. Se a DEF for maior ou igual, o controlador do monstro atacante leva dano em seus PVs igual à diferença.

Vantagens de Alinhamento
Monstros têm Elemento e Tipo, e algumas dessas categorias são fortes ou fracas quando lutam com outras. Quando um monstro luta contra um inimigo de um Alinhamento contra o qual ele tem desvantagem, ele perde qualquer Bônus de Campo em seu ATK/DEF, e seu oponente perde qualquer penalidade de ATK/DEF que lhe foi imposta. Se não havia nada disso, o monstro em desvantagem apenas perde 300 ATK/DEF, tudo isso apenas durante a batalha em questão. As relações de Alinhamento são:
• Demônios e Zumbis são fracos contra Magia Branca
• Magia Branca é fraca contra Magia Negra
• Magia Negra é fraca contra Ilusionismo
• Ilusionismo é fraco contra Demônios e Zumbis
• Dinossauros e Feras são fracas contra Fogo
• Fogo é fraco contra Guerreiros, Feras Guerreiras e Água
• Água é fraca contra Relâmpago
• Relâmpago é fraco contra Terra
• Terra é fraca contra Madeira

Monstro VS Item
Se o item tiver uma estatística de batalha, use as regras de Monstro VS Monstro. Se não, o monstro destrói o item. Seu controlador não recebe dano.

Monstro VS Jogador
O jogador atacado recebe o ATK do monstro atacante como dano.

Transformações
Algumas cartas podem causar transformações em outras. O exemplo mais claro é a Fusão, que combina 2 ou mais monstros em um novo monstro. Quando isso acontece, dependendo do efeito de transformação, você usa cartas que não podem ser incluídas no baralho: Cartas Extra. Uma Carta Extra terá em seu texto de efeito a condição para trazê-la ao jogo. Coloque a carta que é o resultado da transformação sobre as cartas transformadas, que se tornam componentes da nova carta.
Cartas Extra colocadas em Campo por meio de Fusão não podem atacar no mesmo turno em que foram jogadas.
Se uma transformação combinar monstros de jogadores diferentes, ela será controlada pelo controlador do componente primário.

Palavras-Chave
São termos que servem pra representar regras.

Voar

Se um monstro com Voar luta com um monstro sem Voar ou Alcance, o monstro sem Voar ou Alcance perde qualquer Bônus de Campo em seu ATK/DEF, e seu oponente perde qualquer desvantagem de ATK/DEF que lhe foi imposta, tudo isso apenas durante a batalha em questão. Além disso, se um monstro com Voar seria destruído por batalha, role um dado de 6 faces. Se cair 2 ou menos, o monstro não é destruído e qualquer dano de batalha recebido é negado.
Itens com Voar não podem ser atacados por monstros sem Voar ou Alcance.

Ocultar

Um monstro com Ocultar pode ser virado para baixo depois de uma batalha.

Subterrâneo

Um monstro com Subterrâneo tem Ocultar. Enquanto estiver virado para baixo, não pode ser atacado por um monstro que não tenha Subterrâneo ou Alcance.

Molhado

Um monstro com Molhado recebe desvantagem de Alinhamento contra monstros do Alinhamento Relâmpago, e vantagem de Alinhamento contra monstros do Alinhamento Fogo.

Alcance

Um monstro com Alcance pode atacar monstros/itens com Voar ou Subterrâneo. Um monstro sem Alcance atacado por um monstro com Alcance não pode contra-atacar, mesmo que seu ATK seja igual ou maior ao ATK do atacante.

Multi-Corpos

Essa palavra-chave só existe em Cartas Extra. Toda vez que esta carta deixaria o Campo ou seria afetada por algum efeito, você pode fazer isso com apenas um ou mais de seus componentes ao invés disso. Quando a Carta Extra não tiver mais nenhum dos componentes necessários para ser jogada, destrua esta carta. Se um componente de uma Carta Extra com Multi-Corpos destruído for recuperado enquanto a Carta Extra estiver em Campo, ele é recolocado como um componente da Carta Extra, ainda tendo suas características originais, mas sofrendo qualquer limitação que a Carta Extra teria ao ser jogada.

Iluminar

Enquanto uma carta com Iluminar afetar uma carta, ela não pode ser virada para baixo.

Desenho

Um monstro com Desenho em Posição de Ataque não é destruído por batalha contra um um monstro com o mesmo ATK que seu ATK enquanto "Mundo dos Desenhos" estiver no Campo de seu controlador.

Refletir

O ataque é redirecionado para os alvos especificados.

Anti-Magia

Cartas com Anti-Magia não são destruídas por ataques mágicos (ataques de monstros com os Tipos Demônio, Zumbi, Mago Branco, Mago Negro e Ilusionista ou com o Traço Ataque Mágico) e seus controladores não recebem dano de batalha em batalhas envolvendo o monstro com Anti-Magia e usuários de magia.

Paralisar

Um monstro Paralisado não pode atacar ou mudar sua Posição de Batalha


Regras Adicionais
As regras descritas a partir daqui são adicionais.

Tabuleiro

O Campo se torna um tabuleiro com 8 casas na horizontal e 5 ou 6 casas na vertical. Cada uma dessas casas pode abrigar um monstro. Cada monstro que você controla em Posição de Ataque pode ser movido para qualquer casa uma vez durante a sua vez de jogar, e não podem ser colocados em Posição de Defesa após isso. Se um monstro não puder atacar, também não pode se mover. Monstros sem a palavra-chave "Alcance" só podem atacar monstros em casas adjacentes. Ao atacar, Monstros com "Alcance" atacam o que quer que esteja mais próximo na direção desejada do ataque. Magias e Armadilhas são jogadas/baixadas fora do tabuleiro, o que significa que monstros com efeito que afetam essas cartas devem ter Alcance ou viajar até a última linha para poder afetar essas cartas. Magias e Armadilhas com Item precisam estar no tabuleiro.

Ambientes

Esta regra deve ser usada em conjunto com a regra de Tabuleiro. Cada casa no tabuleiro terá um ambiente. Diferentes ambientes auxiliam diferentes monstros, dando-lhes um aumento de 30% em seu ATK/DEF. Este é o chamado Bônus de Campo. Quando um monstro está num ambiente que lhe beneficia e luta com um monstro que não está num ambiente que lhe beneficia, o monstro em vantagem ganha Iniciativa: O monstro em desvantagem perde qualquer bônus de ATK/DEF e o monstro em vantagem perde qualquer penalidade de ATK/DEF, tudo isso durante aquela batalha. Ambientes podem ser atacados, mas eles só podem ser destruídos por efeitos de carta.
Monstros que não são Peixe ou Serpente Marinha ou não têm o Traço "Nadar" não podem ser colocados no ambiente Oceano. Monstros Peixe, Serpente Marinha ou com o Traço "Nadar" ganham Ocultar quando colocados no Oceano. O Ambiente Oceano tem a palavra-chave "Molhado". Qualquer ataque elétrico feito a um ambiente com "Molhado" é feito a tudo o que está nos ambientes adjacentes com "Molhado". Cards com o Traço "Muito Grande" atraem os limites do Oceano 1 casa mais próximo de si enquanto estiverem em Campo.

Apenas 1 Ataque por vez de jogar

Exatamente o que o título sugere. Cada jogador só poderia atacar uma vez por vez de jogar.

Ataques Diretos Proibidos

Novamente o que o título sugere. Se esta regra estiver ativa, nenhum monstro pode atacar diretamente um jogador.

Bench-out

Se durante seu turno inteiro seu Campo não tiver monstros e você não puder jogar um monstro nem no final do turno, você perde o Duelo ainda que tenha PVs sobrando.

Discos de Duelo

Esta regra não pode ser usada em conjunto com a regra de Tabuleiro. O Campo e a mão são a mesma coisa, com o Campo sendo preparado em 5 zonas: uma Zona Principal e quatro Zonas Secundárias. Ao começar o Duelo, os jogadores compram suas 5 cartas e as organizam como acharem melhor. Na sua compra de cartas da sua vez de jogar, você compra até ter 5 e então organiza as cartas como achar melhor. A Zona Principal só pode comportar monstros. Um monstro na Zona Principal sempre está de face para cima, e pode ser posto na Posição de Ataque ou Defesa. Monstros nas Zonas Secundárias sempre estão em Posição de Ataque e não podem ser auxiliados por efeitos de outras cartas nas Zonas Secundárias.
Durante a sua vez de jogar, você pode colocar cartas que estavam viradas para cima desde a última vez viradas para baixo, e então reorganizar seu campo como achar melhor.
Você pode atacar qualquer carta com um monstro em Posição de Ataque que você controla. O cálculo de dano funciona normalmente. Se o alvo do ataque não tiver ATK/DEF, ele é destruído.

Labirinto

Quando a Carta "Paredes do Labirinto" é jogada, o duelo usa as regras de Tabuleiro, mas o grid se torna 19x19, e o jogador do tabuleiro deve fornecer pelo menos 1 layout de labirinto, onde as casas do grid podem ser separadas pelas paredes e deve existir pelo menos um caminho ligando a entrada (as duas linhas mais próximas de um jogador) à saída (as duas linhas mais próximas de seu oponente). Monstros precisam passar por dentro do labirinto para chegar do outro lado. Monstros com Voar ou com o traço "Grande" não podem entrar no labirinto ou voar por cima dele. Se o labirinto for destruído, todos os monstros dentro dele também são destruídos. Um monstro se movendo no labirinto deve se mover um número de casas igual ao seu nível.

sábado, 22 de abril de 2023

Yu-Gi-Oh! é O ponto fora da curva em shounen de jogos

Olhando para o enorme impacto cultural da franquia Yu-Gi-Oh! nos dias de hoje, é muito difícil perceber uma dura verdade:

Yu-Gi-Oh! Seria cancelado se não entrasse de cabeça no enredo centrado no Card Game.


Alguns de vocês devem estar pensando que eu sou maluco, mas basta ver obras com premissas parecidas com a de Yu-Gi-Oh pré-Reino dos Duelistas que dá pra ver que o ponto se sustenta.

Phi-Brain: Kami no Puzzle

Eu já fiz um post sobre esse anime na página do Facebook, no entanto, estamos pegando isso daqui como um caso de estudo. Phi-Brain: Kami no Puzzle é um anime original do estúdio Sunrise (franquia Gundam, Gintama) que se foca no protagonista e seus amigos resolvendo os mais variados tipos de quebra-cabeça e desafios lógicos em batalhas de vida ou morte nos emblemáticos Enigmas dos Sábios e Enigmas dos Tolos, presididos normalmente por organizações e grupos com interesses duvidosos e relacionados ao advento de alguém com o intelecto equiparável ao de um deus: O Cérebro do Filósofo (ou em inglês, "Philosopher's Brain", abreviado como "Phi-Brain", o título que dá nome à obra). Foi transmitido na NHK, uma emissora pública com conteúdo normalmente educativo, o que torna a obra tecnicamente um "desenho educativo", buscando incitar nos espectadores o encanto por quebra-cabeças, puzzles, charadas e outros desafios similares.

Com uma trama de boa qualidade, puzzles diferenciados o bastante, uma trilha sonora excelente e um elenco de voz de peso, Phi-Brain rendeu 3 temporadas de 2 cours. Parece um oxímoro eu citar um exemplo desses pra dizer que "Yu-Gi-Oh! ia fracassar se continuasse não focando num jogo só", mas vá numa feira de anime local e pergunte pra umas 100 pessoas se elas pelo menos ouviram falar de Phi-Brain. Eu duvido que você não consiga contar nos dedos as pessoas que te responderam "sim". Vários motivos entram na fórmula, mas os que eu sinto que são os mais pesados pra definir seu sucesso geral são:
  • Lançado em 2011. Entre 2011 e 2013, saiu uma quantidade imensa de pedradas em questão de anime. Madoka, Steins;Gate, Anohana, Chihayafuru... Phi-Brain poderia ser mais uma dessas? Sim, mas não foi pelos motivos abaixo.
  • O visual e animação não são tão bons para a época. Eu particularmente amo esse estilo de olhos grandes e redondos do Yohei Sasaki (um animador e diretor de animação veterano do estúdio, principalmente conhecido por suas cenas de ação em Gintama), e a grande variedade de estilos de cabelo das personagens, mas tem gente que acha isso bem feio e leigo, como se tivesse saído daquele infame livro sobre como desenhar mangá da editora Scholastic. A animação realmente não é das melhores. Não é uma animação cagada, mas também não é extremamente fluida tipo o Yuma fazendo altas acrobacias em Yu-Gi-Oh! ZEXAL (que saiu no mesmo ano, diga-se de passagem).
  • É desse livro aqui que eu tô falando.

  • Puzzles são um divertimento de nicho. É claro que todos nós já fizemos palavras-cruzadas ou caça-palavras (alguns até sudoku) pelo menos uma vez na vida, mas existem muitos outros jogos que se encaixam no gênero, e nem todos são tão conhecidos. Isso se dá especialmente pelo fato de que puzzles são vistos como passatempos pra "pessoas inteligentes" e, se você não consegue resolver um, melhor nem tentar outros (o que obviamente é o contrário da mensagem de Phi-Brain), você é burrokkkkkkkkkk.

Cipher Academy


O segundo caso de estudo é um mangá recente publicado no aplicativo MANGAPLUS by SHUEISHA. Escrito por NISIOISIN (Monogatari Series) e ilustrado por Yuji Iwasaki, Cipher Academy (Angou Gakuen no Iroha) conta a história de Iroha Irohazaka, um garoto que entra na recém-fundada Cipher Academy, uma escola de Ensino Médio-Técnico para futuros decifradores de códigos sob a premissa de que guerras são vencidas principalmente pelas inteligências ao invés das armas. O problema é que Iroha é péssimo em decifrar códigos, tendo entrado na escola por uma cota de que cada turma deve ter no mínimo um menino, uma vez que decifrar códigos era visto como um trabalho principalmente feminino no Século XX, mas os tempos mudaram. Durante seus estudos na biblioteca a fim de resolver seu primeiro puzzle, Iroha ajuda uma interna a se esconder da melhor aluna da turma, que a estava perseguindo. Essa interna se revela como a professora Kogoe Horagatoge da turma 1-M, que precisa de uma parceria a fim de decodificar a chave para um tesouro escondido debaixo da escola avaliado em 1 bilhão de Morg (uma criptomoeda). Com tal dinheiro, ela diz que poderia parar a maioria das guerras do mundo. Para isso, ela desenvolveu uma "arma de decifrar códigos" e a deu para Iroha a fim de que este se tornasse seu ajudante.

O mangá ainda está em publicação, no capítulo 20 enquanto eu estou escrevendo isso, passando pelo seu primeiro arco. As artes são lindas e as personagens são divertidas de se acompanhar. O problema é a grande quantidade de bagagem cultural que você precisa ter pra entender várias coisas em Cipher Academy, principalmente partes importantes dos enigmas se você quiser resolvê-los por conta própria. O autor até bota umas notas de autor debaixo dos quadrinhos, mas isso nem sempre resolve o problema e parece um monte de exposição vomitada nos seus olhos. Nishio adora trocadilhos com a língua japonesa e esses nem sempre são fáceis de traduzir. Inclusive, a batalha de código dos capítulos 10 a 11 foi o ponto de quebra do primeiro tradutor da série. Para contexto, a batalha consistia em ter uma metade sorteada do silabário dos kanas indisponível pra você montar suas frases. Os envolvidos fariam rodadas de perguntas e respostas, e quem acabasse claramente incluindo um dos kanas que lhe fossem proibidos, perdia.
E ainda assim, era um capítulo de exposição sobre as personagens.

Ironicamente, esse problema de ser um "mangá muito difícil de traduzir" foi o que deu o maior pico de popularidade que Cipher Academy teve até hoje. Apesar de ter exposição e desenvolvimento de personagem visível por parte do nosso querido Iroha, a maneira com a qual as batalhas são conduzidas acabam sendo muito excludentes pro público geral. Não que alguém só possa gostar de algo se conseguir entender até os mínimos detalhes, mas nós não gostamos de ver um grande desafio que obviamente não somos capazes de vencer. Muitas vezes, você pode acabar se sentindo muito burro lendo Cipher Academy, tendo que reler o capítulo várias e várias vezes pra entender pelo menos o básico do fio de lógica que as personagens seguem na hora de resolver um enigma. Eu gosto da obra e quero ver ela sendo terminada da maneira certa, no entanto, se continuar com esse tipo de resolução, eu tenho certeza que Iroha da Academia Críptica vai comer poeira daqui a menos de 10 capítulos. Estamos falando de uma publicação da Shounen Jump, a revista mais vendida do Japão, e eles não brincam em serviço quando percebem que uma série não está fazendo números como deveria. Inclusive, já existem pessoas esperançosas de que Cipher Academy seja cancelado.



O terceiro mangá desta lista parece me refutar por completo. Kakegurui é um shounen de apostas, e possívelmente o que a maioria dos fãs de anime e mangás leigos pensam quando ouvem falar de "anime e mangá de apostas". O sucesso da obra é indiscutível, rendendo vários mangás spin-offs, anime, adaptação live-action, e uma gama de roleplayers retardados no seu Amino de RPG médio. São jogados vários jogos, nenhum é especificamente marketável, e mesmo assim todo mundo sabe quem é Yumeko Jabami ou Mary Saotome, mas ninguém saberia quem é Yuugi Mutou se Yu-Gi-Oh seguisse nessa mesma fórmula de "jogo da semana". Por quê?

A resposta é que Kakegurui é muito mais uma série psicológica do que uma série de jogos. Há jogos nela? Sim. Há altas apostas nesses jogos? Sim. No entanto, a trama avança devido à quebra do equilíbrio causado pela entrada de Yumeko na nova escola. O Conselho Estudantil instituiu um sistema de doação, onde as 100 pessoas que doam menos perdem seu status como ser humano. O sistema é então complementado pelas apostas na escola, onde ganhar mais apostas significa poder doar mais e portanto ganhar mais prestígio. O ponto é que, como todo mundo lá é rico, dinheiro não tem tanto valor percebido quanto tem em uma série de apostas como Kaiji ou Usogui, por exemplo. O verdadeiro valor é a capacidade de assumir o leme de seu próprio destino. Nossa protagonista entende isso muito bem, mas se torna uma força da natureza ao não ligar para como sua posição na escada hierárquica vai ficar após o jogo. Ela só quer o pico de dopamina pela chance de ganhar muito ou perder tudo a níveis sexuais, e isso acaba desconstruindo essa hierarquia. A história mostra muito mais as reações das pessoas ao enfrentarem Yumeko do que a reação de Yumeko ao enfrentar oponentes cada vez mais "fortes". Os jogos só estão ali como dispositivos de enredo menores, e eu particularmente acho que esse é um jeito certo de se fazer uma história infantojuvenil onde as personagens jogam vários jogos...

Só que Yu-Gi-Oh! não fez isso enquanto estava em sua fase episódica.

Nos primeiros capítulos, os Jogos das Trevas são consequências pra quem agiu mal com Yuugi ou seus amigos. É claro que eles são boas ferramentas de exposição, mas não existem muitas consequências a partir do resultado do jogo. Não parece haver crescimento. O "Outro Yuugi" é bonzão nos jogos. Ponto. Pra falar a verdade, o primeiro arco de Yu-Gi-Oh! só foi começar no capítulo 13, e mesmo assim, foi um arco bem curto, contando com apenas 8 capítulos. É o arco do Shadi, onde ele coloca Yugi e seus amigos em situações de risco para ver se ele realmente herdou os poderes do Enigma do Milênio.
"Memória ou Morte", a segunda parte do Jogo das Trevas entre Shadi e Yugi

Esse é arco que põe o enredo de Yu-Gi-Oh! nos trilhos para um "objetivo final a ser alcançado", isto é, quem é  Yuugi? Quem é essa outra parte do Yuugi? Quais são as outras Relíquias do Milênio e como elas vão ser relevantes para as perguntas anteriores? Por que os portadores das relíquias usam jogos para punir os transgressores? A história do mangá é definida a partir deste ponto como uma jornada de auto-descobrimento. O problema é que depois disso ainda existem muitos capítulos episódicos, então enquanto a gente fala "legal, a gente tem um motivo pra continuar acompanhando a história aqui", a gente continua nessa lenga-lenga que é expositiva de um bom modo, sim, mas que não nos acrescenta muito no enredo central da obra. Dos 59 capítulos pré-Reino dos Duelistas, apenas 33 pertencem a algum arco. Apenas 3,5 capítulos a mais que a metade. Os jogos eram vários? Sim. Eles eram meios de mostrar as forças e fraquezas das personagens? Com certeza (inclusive, esse é o principal acerto de Takahashi nos jogos do mangá, falaremos disso mais tarde). Mas existem grandes consequências do Jogo das Trevas na maneira que as personagens se comportam? Não. Essa foi a falha que poderia ter custado o mangá se alguma coisa não acontecesse.

Então, o que aconteceu?
Monstros de Duelo.


Créditos: Yugioh Professional (embora eu tenha minhas dúvidas quanto a isso)

Monstros de Duelo foi, em poucas palavras, o milagre que salvou o mangá de Kazuki Takahashi de ir pro esquecimento, e não só isso, se tornar um fenômeno mundial nos anos 2000. A história vocês provavelmente já conhecem: Começou como um jogo parodiando Magic: the Gathering nos Capítulos 9 e 10, aí um monte de criança achou o jogo legal e enviou cartas pra Shueisha perguntando como se joga o jogo mais a fundo, aí o Takahashi fez o Kaiba aparecer de novo pra poder aparecer o jogo de novo, aí teve o Reino dos Duelistas e o mangá mudou de foco quase que inteiramente pro famigerado "baralho do diabo". Vocês conseguem ver que a mudança de foco do mangá foi obviamente uma decisão maior dos editores. Nos 59 capítulos iniciais, Takahashi tentou botar outros jogos que envolviam "lutas entre monstros" pra emplacar, mas nenhum deles chegou perto da popularidade do nosso querido vício em apostas disfarçado de jogo infantil. E no fim das contas, parece que foi uma mudança para melhor. O Arco do Reino dos Duelistas e da Cidade das Batalhas tinham personagens legais, objetivos bem definidos e que contribuíam para as questões já levantadas na narrativa, além de um grande espaço pra desenvolvimento de personagem. Considerando o Forbidden Memories, é certo que o Takahashi já sabia que rotas ele queria tomar escrevendo o mangá, e tinha que colocar as ideias que ele não ia usar em outro lugar. Fora isso, um jogo de cartas colecionáveis funciona incrivelmente bem como um sistema de magia em shounen de lutinha, pelos motivos abaixo:

  • TCGs têm uma lista de cartas que está periodicamente se expandindo, o que significa que cedo ou tarde, novas cartas têm que aparecer. Isso é bom porque abre espaço para diferentes personagens jogarem com diferentes tipos de cartas e estratégias, e não só isso, permite que personagens já conhecidas mudem as cartas e estratégias que estão jogando a fim de refletir uma mudança em sua constituição. Uma batalha bem-pensada em um shounen que usa TCGs como resolução do conflito raramente vai ser reduzida a "quem tem o porrete que bate mais forte".
  • O primeiro TCG, Magic, já era uma representação de uma batalha entre dois magos, o que é muito útil para conciliar com o já existente misticismo sobre o Antigo Egito, que é um dos focos narrativos de Yu-Gi-Oh. Fora isso, o Japão de 1996 via seu primeiro boom de TCGs, com títulos como Pokémon e Monster Collection. Jogos que justamente focavam em batalhas entre monstros, o que era um prato cheio tanto pra Takahashi quanto pra crianças que queriam imitar os feitos de Yuugi e seus companheiros de jogo, mas que nunca ouviram falar de Magic (até hoje, Magic é um título bem underground no mercado japonês do gênero, mesmo com a WoTC movendo céus e terra pra atrair público de lá).
  • Quem define os limites mecânicos do jogo são os próprios escritores dos duelos. Algo como uma múltiplicação infinita de monstros, campos pré-existentes que reagem a cartas jogadas pelos jogadores ou uma fusão gerada automaticamente entre dois monstros nunca seria processada com perfeição num TCG físico (num digital talvez, mas economizar trabalho também é precioso). No entanto, o céu é o limite quando é uma história fictícia. Você não precisa fazer o jogo ser 100% reproduzível no mundo real. Só precisa contar uma história interessante por meio das cartas apresentadas no duelo. Essa é a graça dos duelos no Reino dos Duelistas, e por mais que por pressão marketista as regras do jogo real tenham que ser seguidas com mais afinco, esse estresse das limitações nunca foi embora de verdade. Em 5D's, a Clear Mind só consegue ser alcançada com alta velocidade, e por isso os duelos nas motos são necessários. No mangá de ZEXAL, o Frankenstein nunca ataca monstros femininos. Ainda em ZEXAL, a forma ZEXAL II pode desbloquear os "verdadeiros efeitos" de uma carta. Em SEVENS, o Yuuga pegar um meteorito com o disco de duelo dele de propósito pra que a carta da Fusão fosse incluída no baralho no meio do duelo não é considerado uma infração (inclusive o caso é previsto no manual de regras compreensivas).
Pela soma de todos esses fatores, o jogo acaba se tornando um ótimo canal para a exibição das forças e fraquezas de personalidade e caráter de uma personagem, fora outros poderes sobrenaturais, e isso se encaixa perfeitamente com a premissa dos Jogos das Trevas. Acima de tudo, as regras que Takahashi institui na versão do mangá do jogo são muito simples, o que significa que existe muita liberdade para o que uma carta pode ou não pode fazer, e ele se utilizou disso muito bem para fazer as cartas "serem os poderes" das personagens, essencialmente criando lutas nas quais não se trocam socos ou chutes físicos, que era exatamente o desejo do autor ao criar Yu-Gi-Oh!. Com isso, você tem a atenção do público que quer ver lutas interessantes nas quais as personagens não vencem simplesmente porque "são mais porradeiras", e também tem a atenção do público que quer ver poderzinho rolando solto, criando uma experiência similar a de JoJo's Bizarre Adventure. Por mais que o Card Game seja de certa forma um fardo que a franquia tem que carregar, foi esse fardo que tornou Yu-Gi-Oh! não só uma experiência única, mas também o ponto de referência pra muitas obras que se utilizam de jogos pra resolver seus conflitos. É exatamente por isso que eu o considero O ponto fora da curva em shounen de jogos.

Como considerações finais, eu acho muito interessante como a franquia Yu-Gi-Oh! é experimental demais para o seu bem. Ela começou a experimentar com tudo o que podia pra sobreviver, e isso a levou a estar no Top 30 mangás mais vendidos de todos os tempos de sua editora, e movendo entre 5 a 10 milhões de dólares desde a sua primeira aparição na mídia. Por outro lado, muitas de suas inovações são vistas com maus olhos por sua própria fanbase. É algo que vive mudando, e eu acho que isso é o que torna a IP interessante. Eu espero que você tenha gostado desta postagem. Um abraço, fique com Deus e até a próxima.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Os Penalty Games de Yami Yuugi — Uma análise sobre a sede humana por justiça

link: https://www.pixiv.net/en/artworks/84957512


Nesses últimos tempos, está fixado na minha consciência de que tudo o que consumimos impacta de alguma forma na maneira que pensamos. Não estou tentando repetir ou legitimar completamente o sensacionalismo das redes de TV que dizem que "jogar videogames automaticamente te deixa violento", "uma hora de Free Fire é equivalente a cheirar quatro carreiras de cocaína de uma vez" ou coisas do gênero. O que eu quero dizer é que se isso não fosse verdade, não daria pra afirmarmos coisas como "Yu-Gi-Oh! me ajudou quando eu estava passando por tempos difíceis", "Pornografia destrói o seu cérebro" ou mesmo citando J. R. R. Tolkien "Eu acredito em contos de fada, não porque eles dizem que existe um dragão, mas sim porque eles dizem que o dragão pode ser derrotado". Ou seja, quando eu digo que tudo o que consumimos impacta em nós, não digo que o que nós consumimos é a causa dos nossos comportamentos, mas sim um catalisador deles. Assistir coisas que passam boas mensagens te inspiram a seguir bons exemplos. Assistir conteúdo que não passa nada de bom te inspira a também não fazer nada de bom. Obviamente, quem é o juiz definitivo do que você vai fazer com sua vida é você mesmo, e ações criam ciclos que se retroalimentam. Quanto mais coisas boas você faz, mais chances você tem de continuar fazendo coisas boas. Quanto mais coisas ruins você faz, mais chances você tem de continuar fazendo coisas ruins. Nós criamos hábitos, que depois se tornam virtudes ou vícios.

"Mas Paruko, por que você tá dizendo tudo isso?"

Bom, quando você era adolescente, você provavelmente adorava assistir um ou mais animes "edgy", daqueles cheios de violência gratuita, sangue, etc. e tal. A lista tem vários clássicos: Tokyo Ghoul, Mirai Nikki, Blood+, a série When They Cry entre outros. Alguns dessa lista poderiam até ter alguma mensagem mais profunda, como Death Note e seu "Quando o homem tenta fazer o papel de Deus, sempre dá beyblade", mas a gente queria assistir normalmente porque vê o protagonista ou outra personagem que gostamos sofrer, mas retribuir de maneira extremamente violenta. Ali, nós ficávamos satisfeitos com "a justiça sendo feita pelas próprias mãos do protagonista", e também nos identificávamos com o sentimento de que, "por que ninguém nos entende nós rejeitamos a sociedade 🤡🤡🤡". Aqui, nós vemos um desejo primordial do ser humano: A sede por justiça.

Justiça

Aristóteles define "justiça" como "uma disposição para realizar ações que produzem e conservam a felicidade, e os elementos desta, para uma comunidade". Se todo mundo usar de pertences pessoais é uma condição para a felicidade, a justiça está em permitir que todos os usem ou os transfiram por livre e espontânea vontade. Uma perturbação óbvia a essa condição seria um assalto, ou uma taxa de juros abusiva ou ainda condições de trabalho ou práticas de negócio abusivas. Virtudes são disposições para as coisas boas, e portanto justiça é uma virtude. Inclusive, no pensamento cristão, a Justiça é uma das "Quatro Virtudes Cardeais": Virtudes que o ser humano pode atingir pelo esforço. As outras são Fortaleza, Prudência e Temperança. Alguém pratica a Virtude da Justiça quando dá ao próximo aquilo que é de seu direito.

Na mitologia chinesa, a personificação da justiça é um juiz chamado Bao Zheng, que viveu por volta do Século XI. Relatos dizem que ele era incorruptível, astuto, e que acabou com a cobrança abusiva de impostos em Duanzhou, onde foi prefeito. Você provavelmente deve conhecê-lo por essa cena aqui (pule para 4:54):



Nesta cena, o Juiz Bao lê uma acusação feita ao esposo da filha do Imperador, Chen Shenmei. Sua esposa original, Qin Xianliang o acusou de tentar matar tanto a ela quanto a seus dois filhos a fim de que não se gerasse um escândalo, tendo para isso mandado um soldado que, ao perceber que a ordem era injusta, se suicidou em um santuário. O interessante na ópera é que o juiz não age como alguém completamente imparcial. Ele na verdade investiga o caso dado por alguém para ver se as acusações são verídicas e então dá o veredito. É algo bem parecido com o que o Yami Yuugi faz em seus jogos das trevas.

Batsu Game

Na comédia japonesa, um "Batsu Game" (literalmente "Jogo de Punição") é algo que acontece ao perdedor de um jogo ou uma aposta que envolve fazer algo desconfortável como punição por ter perdido ou quebrado as regras. Aqui no Brasil, isso poderia ser interpretado como "pagar mico" ou "pagar prenda", o que é muito comum em jogos de socialização.


Em Yu-Gi-Oh!, os Batsu Games ocorrem quando um Jogo das Trevas é concluído. No entanto, isso é levado ao seu extremo sádico. Porque os Jogos das Trevas são jogos que definem o futuro e que põe as virtudes e vícios de alguém sobre juízo, o perdedor de um Jogo das Trevas é verdadeiramente punido por suas faltas, sejam elas falhas de caráter ou menor importância na trama do destino, dado aquele contexto. No começo do mangá, a gente consegue ver que Yami, que originalmente era a Sombra Jungiana de Yuugi, punia pessoas que causavam sofrimento a ele e seus amigos, mas a proporção nas quais algumas das punições aconteciam eram completamente zoadas. Me extorquiu na escola por ter batido nos caras que faziam bullying comigo sendo que eu nem pedi por isso? Fique maluco achando que as folhas de uma árvore são dinheiro. Fez meu interesse romântico de refém? Pega fogo aí, então. Não quer nos dar a melhor barraca pro festival estudantil? Tome pólvora na cara! Roubou a carta super mega rara do meu avô? Esteja sob a constante sensação de que vai morrer em um mundo habitado por monstros. Fez isso de novo? Tenha sua alma aquebrantada pra aprender a ser humilde. Parece algo no que o adolescente edgy se amarraria e que deixaria os pais preocupados recorrendo ao sensacionalismo da TV.

Mas para nossa felicidade, nem só de edgygisse vive este mangá. Apenas à medida que Yuugi foi crescendo e "aceitando seu outro eu", Yami foi capaz de administrar as punições em porções bem mais justas, até o ponto de descobrir o que havia feito no Antigo Egito e se redimir por isso ao destruir Zorc de uma vez por todas. Os fãs de Yu-Gi-Oh! sentem que o que Takahashi queria contar é a história de opostos polares aprendendo um com o outro e crescendo juntos, até o ponto da inevitável partida, onde os dois seguiriam rumos diferentes. Yuugi era um menino gentil e amigável, mas covarde, incapaz de fazer justiça quando era necessário por sua parte. Atem tinha a iniciativa que Yuugi precisava, mas era um completo sádico. Parecia que Yuugi não tinha resolvido o Quebra-Cabeça do Milênio, mas sim a Configuração do Lamento da franquia Hellraiser, com Atem agindo como um cenobita, sendo incapaz de fazer justiça por ignorar a dignidade humana daqueles a quem punia. Apenas crescendo juntos, foram descobrindo que "o Poder e a Justiça residem no Nome dos Deuses". Yuugi cresceu e tentou enfrentar Diva por justiça ao que ele fez com seus amigos. Atem transcendeu e retornou para punir o mesmo com justiça divina, destruíndo o espírito que o possuía. Yuugi agora sente a necessidade de contribuir para os jogos e amizades que o fizeram passar por momentos difíceis, então podemos dizer que sua aspiração por se tornar um criador de jogos nasce de justiça. Atem sumiu com o Quebra-Cabeça do Milênio a fim de não despertar novos inimigos que usariam de injustiça. Então apesar de isso se encaixar mais em prudência do que justiça, ainda há uma tangente.

Conclusão

Eu espero que o que você tenha lido aqui possa te afetar para o melhor, para que você possa agir com justiça para com o próximo. Traçar limites que não podem ser transpostos e punir as pessoas que traçarem esses limites, mas sem esquecer que elas são humanas como você, e precisam de todas as chances possíveis para se redimir. Um abraço, fique com Deus e até a próxima.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Yu-Gi-Oh! é na verdade um jogo de luta





"O MÉDICO DISSE SEIS MESES

O RELÓGIO DIZ QUARENTA MINUTOS

AS PORTAS DAS TREVAS FORAM ABERTAS!

PRIMEIRO ARREPENDIMENTO

APENAS COMPRE A REMOÇÃO!"

— Z-ARC System Works


Não, você não leu errado. Este artigo tem como objetivo mostrar Yu-Gi-Oh, o jogo de cartas, com uma outra perspectiva. A perspectiva de um gênero de jogo que normalmente é antagônico em relação a Card Games: Jogos de Luta.

Jogos de Luta geralmente são vistos como o oposto polar de Jogos de Carta, porque a nível superficial eles desenvolvem habilidades radicalmente diferentes uma da outra. Jogos de Luta desenvolvem reflexos, ação rápida. Jogos de Carta desenvolvem estratégia, algo que precisa de tempo pra ser executado propriamente. No entanto, à medida que você afunda nesses tipos de jogos, você percebe que eles têm mais similaridades do que o olho encontra.


1 — Curva de Aprendizado

Tanto jogos de luta quanto Yu-Gi-Oh! são jogos com uma curva de aprendizado bastante íngreme. Quando você é introduzido a um desses jogos, geralmente você vai ter um tutorial pra aprender as mecânicas base do jogo. Muitas vezes, algumas dessas mecânicas base vão ser ignoradas pelo jogador iniciante e, por mais que só usar algumas das mecânicas seja necessário pra completar o Modo História, quando você enfrenta oponentes reais a estória é outra. Quando você enfrenta jogadores humanos, se torna cada vez mais evidente que você, joãozinhogamer321 que acabou de derrotar o Kagemaru no Tag Force 1, não sabe lá muita coisa de Yu-Gi-Oh! pra manter um jogo a mesmo nível dos oponentes. O próprio Kazuki Takahashi sabia disso, escrevendo no editorial do Volume 19 (Duelist Vol. 12):

Há um problema ao tentar expressar a a diversão de jogos de cartas sob a forma de um mangá. Em um jogo de cartas real, quanto mais próximos os níveis de habilidade dos jogadores são, mais divertido é... Mas em um mangá, você precisa manipular a balança de poder para mostrar como o protagonista pode vencer oponentes avassaladores. Então não fique zangado se as pontuações ou efeitos nas cartas do mangá são um pouco diferentes da versão do OCG!

 É divertido quando você encontra oponentes com níveis de habilidades e alcance de poder dos decks similares, assim como é divertido você encontrar oponentes com níveis de habilidade e alcance de poder das personagens similares em jogos de luta...

MAS NÃO É FÁCIL.

Por jogos de luta e TCGs em geral serem um divertimento de nicho, é difícil encontrar oponentes que estejam em níveis similares de habilidade. No Brasil isso também se intensifica porque videogames e Yu-Gi-Oh! são caros, e as empresas não têm lá as melhores práticas de negócio. Mesmo a nível de loja local pode haver um skill gap gritante. Isso pode ser resolvido ao tomar algumas medidas mais amigáveis ao casual, sem necessariamente ferir o competitivo (ver o post anterior) para tornar a adesão do público um pouco maior. Esses jogos não são difíceis em si, mas são difíceis no que diz respeito a ter conhecimento técnico sobre ele o bastante para aproveitá-lo bem, e por mais que os jogadores tenham que ser os atores principais em divulgar esse conhecimento técnico do jogo, as próprias empresas poderiam dar um empurrãozinho pra isso. No Japão, existem eventos oficiais de Yu-Gi-Oh! onde você simplesmente joga partidas livres. Você pode trazer quantos decks quiser, pode jogar quantas vezes quiser e com quantas pessoas quiser dentro do limite de tempo do evento. Você pode ganhar prêmios por simplesmente jogar um certo número de partidas, ou ganhar um certo número delas, etc. Você pode até mesmo contar com Professores, um cargo oficial de jogadores experientes cuja função nos eventos é ensinar a jogar e dar conselhos pra melhorar as habilidades de quem já sabe jogar. Desse jeito, a curva de aprendizado fica mais suave de ser enfrentada, com a evolução podendo ser bem mais rápida, mas ainda sim dolorosa. Não se engane, o caminho pra ficar bom em FGs e TCGs é cheio de derrotas amargas.


2 — Interação e Troca de Golpes

Se a gente parar pra pensar, desde o começo Monstros de Duelo foi um jogo com a troca de golpes em mente. A principal prova disso é a mecânica de batalha, onde todos os monstros tem uma versão levemente modificada de Atropelar em Magic: the Gathering. Essa regra possívelmente foi escrita pra encorajar os jogadores a seguir jogando monstros tão fortes quanto possível a cada turno, enquanto lentamente reduziam os PVs um do outro alternadamente. Nos jogos de luta, um conceito parecido é o da Fase Neutra: Um ponto dado no jogo onde nenhum dos jogadores tomou definitivamente o papel ofensivo (botar pressão no oponente) ou defensivo (resistir a essa pressão até surgir uma oportunidade de voltar à Fase Neutra). Quando não é possível jogar um monstro mais forte, você recorre ao modo de defesa, marcando o fim da Fase Neutra. No Yu-Gi-Oh! moderno, a Fase Neutra não é mais tão focada na Fase de Batalha, mas sim nas interações de efeito na Fase Principal, interações essas que geralmente criam uma corrente de efeitos como uma troca de golpes mais metafórica (Desires < Ash < Called < Belle < Crossout < ...) e que quando não são interrompidas pelo oponente criam uma sequência de efeitos informalmente conhecida como combo, assim como nos jogos de luta onde esse termo é dado a golpes conectados em sequência em um curto período de tempo. A Fase Neutra termina quando um jogador claramente possui dominância sobre o campo, normalmente sob a forma de negates ou floodgates. Assim como jogos de luta tem iniciadores, extensores e finalizadores de combos, Yu-Gi-Oh! os têm.



3 — Memorização e Jogos Mentais

Tanto Yu-Gi-Oh! quanto jogos de luta requerem certos estudos de memorização a fim de melhorar suas habilidades neles. Você tem que ver quais decks/personagens se adequam melhor ao seu estilo geral de jogo, depois disso você tem que decorar pelo menos alguns de seus cursos de ação mais fáceis e básicos, dos quais você pode posteriormente evoluir da sua maneira. Pra melhorar ainda mais, você tem que pelo menos ter uma ideia geral do que outros decks ou personagens fazem, te recompensando à medida que você decide estudar sobre potenciais matchups. Aplicar isso em situações reais requer leitura do estado do campo e da mente/emoções de ambos os jogadores, e aí começa um metagame mental, onde a jogada ótima é enganar com sucesso seu oponente em gastar os recursos dele impedindo que você siga por uma rota pra chegar no estado desejado quando você na verdade tem recursos suficientes pra seguir por outra rota que ele possivelmente não viu. Quanto menos informação você revelar pro seu oponente, melhor. Isso conecta muito com o primeiro tópico. Chegar a essa sensibilidade requer muito treino, enfrentar os mesmos oponentes ou oponentes parecidos de novo e de novo, como diria Stevie Blunder: "Playtestar antes de um torneio grande não é ficar bebendo cerveja com os seus amigos na madrugada anterior ao torneio. É jogar com diferentes possibilidades, assumindo sempre o cenário menos favorável".



Obviamente, um mau treinamento nesse metagame mental (simplesmente ignorar esse aspecto dos jogos, por exemplo) ou mesmo jogar esses jogos mentais por um longo período de tempo vai te deixar exausto, vai minar a sua alegria de jogar o jogo, e é exatamente por isso que em alguns torneios de jogos de luta existe uma quantidade considerável de explosões emocionais, quer seja do vencedor ou do perdedor. E mesmo em salas casuais, tem gente que, falhando em reconhecer os pontos onde poderia ter melhorado, vai botar a culpa em tudo e todos exceto em si mesma.

Adaptando pra Yu-Gi-Oh!:
Meu Deck brickou
E se não brickou, você tava trapaceando
E se não tava, você tava jogando com algo que não requer habilidade
E se não tava, não é divertido jogar assim
E se é, você só liga pra vencer.

A insistência mecânica de jogos de carta em eventos aleatórios aumenta esse fenômeno de jogos mentais, mas não é exatamente algo que não tem um espelho em jogos de luta. Daisuke Ishiwatari, idealizador principal da série de jogos de luta Guilty Gear, disse em entrevista à 4Gamer (em inglês) antes do lançamento do título mais recente, Guilty Gear Xrd ~Strive~:

4Gamer: Em seguida por favor nos permita falar sobre a gameplay. Comparado à série Xrd, eu senti que o dano causado pelos jogadores era bem alto. Você planeja em manter esse nível de dano?

Ishiwatari: Certamente a quantidade de dano causada aumentou, mas ao ver nossos dados dos jogos de testes, a duração de cada partida não mudou tanto quanto a dos títulos anteriores. Isso mostra que a Fase Neutra e os Jogos Mentais se expandiram.

4Gamer: Certamente eu não obtive a impressão de que as partidas eram curtas a partir dos jogos que eu joguei.

Ishiwatari: Os títulos até agora se focavam em fazer longos e difíceis combos para causar grandes quantidades de dano, mas a fim de realizar essas técnicas uma grande parcela de tempo em prática era necessária. Nós queríamos revisar esta parte do jogo, e tornar mais fácil ter a chance de vencer contra jogadores de níveis maiores. É claro, estamos nos certificando que o jogo recompensa jogadores que gastam tempo praticando, então por favor não se preocupem.

4Gamer: Em títulos anteriores, seu sucesso estava ligado à sua habilidade de fazer combos e preparações altamente difíceis. Ao simplificar esta parte, eu vejo que você está colocando mais ênfase nos jogos mentais.

Ishiwatari: Até agora, eu mirei em criar jogos de luta que se jogam como Shougi (xadrez japonês). Shougi é um jogo onde se há um vão entre as suas habilidades e as habilidades do oponente, você quase nunca vai perder. No entanto, a fim de combinar com tendências recentes, era necessário mudar essa parte. Eu não sei se isso é um exemplo próprio, mas eu acho que eu estou mirando em criar algo próximo a Mahjong. Gameplay onde movimentos confiantes, leituras e sorte podem permitir que alguém tome a chance de vencer.


4 — Faz sentido que Yu-Gi-Oh! seja um jogo de luta. 

Eu já bati nesta tecla várias vezes, mas não custa lembrar: Yu-Gi-Oh! é um shounen de lutinha. As cartas não passam de veículos para demonstrar as forças e fraquezas de cada personagem. E se estamos mexendo com "forças", então por que não dizer "poderes", "magia", "golpes de assinatura", etc.? No fim das contas, monstros são os golpes, mas também são as esquivas. Magias e Armadilhas baixadas são as leituras prevendo certos golpes. Efeitos de monstros geralmente são iniciadores, extensores e finalizadores de combos. Você vence ao exercer tamanha pressão no oponente, distribuida pela duração do jogo, a ponto de ele não ter saída. Um xeque-mate, por assim dizer. E mesmo quando as coisas parecem difíceis, a confiança em tudo o que o levou àquele momento é o que impulsiona o protagonista a não perder. Ele mesmo, os amigos, o propósito de descobrir seu passado, o destino, poderes divinos etc. fazem com que ele encontre a luz no final do túnel e, com uma mente limpa e resoluta, consiga vencer seu oponente, criando momentos icônicos:






No fim das contas, o nosso oponente nesses tipos de jogos somos nós mesmos, mais do que quem está sentado ao outro lado da mesa. Muitas vezes nós só podemos culpar legitimamente a nós mesmos pelas coisas ruins que acontecem com a gente, e então abrir espaço em nós mesmos para a melhora e uma boa relação com o próximo, representado pelo oponente, que também representa a nós mesmos. Takahashi também iria dizer, no seu editorial do Vol.7 do Millenium World, que "os oponentes com os quais as personagens jogavam refletiam seus corações". Então, pela derrota, nós percebemos que somos falhos e precisamos melhorar para melhor interagir com os outros, e na vitória nós provamos que superamos a nós mesmos, e por sermos mais fortes, podemos nos dar o luxo de sermos mais gentis com os outros. Essa jornada só termina quando a gente morre.

Conclusão

Muito obrigado por ter lido até aqui. Eu espero que ao fechar esta aba você tenha obtido um novo conhecimento não só sobre Yu-Gi-Oh! e jogos de luta, mas também sobre a filosofia que eles trazem para a vida: Uma chave para voar ao Jogo Transcendente. Fique com Deus e até a próxima.

sábado, 10 de setembro de 2022

Como a descasualização de Yu-Gi-Oh! levou o Card Game a um ponto crítico

 Primeiramente, eu quero agradecer a três colegas. Sem discussões que eles e eu fizemos, este post não seria real. Alguns de vocês na yugiesfera brasileira podem conhecê-los como Robotto, Bey e Zian. Eu quero agradecer principalmente ao Robotto, porque ele que fez um textão sobre como o foco na acessibilidade, casualidade e colectividade fizeram com que Magic e PokéTCG se tornassem os dois maiores jogos colecionáveis que existem.


A esse ponto, eu iria apenas reproduzir o texto do cara, mas eu acho que seria melhor eu começar com alguns pontos que eu queria escrever aqui (ou que eu já escrevi na página do Facebook) mas que eu não sabia como:


Yu-Gi-Oh! não é uma série de Card Battler.

Não é surpresa pra quase ninguém aqui, mas Yu-Gi-Oh! não começou como um anime de jogo de cartas. Ele começou como um mangá onde o protagonista pune malfeitores jogando jogos. Entre eles, estava o famigerado Magic & Wizards, mais tarde renomeado Monstros de Duelo. Mesmo após este ter se tornado o jogo central da obra, a ideia de Takahashi (que Deus o tenha) de um protagonista de shounen que luta com as pessoas usando jogos ainda se mantém visivelmente de pé. Duel Monsters era apenas um dispositivo de enredo no qual as forças e fraquezas dos duelistas eram exibidas: Era o Sistema de Magia da obra. E isso se traduziu em que tipo de pessoa começou a jogar Yu-Gi-Oh! lá no comecinho: Crianças.

Arte do jogo "Yu-Gi-Oh! Rush Duel: Saikyou Battle Royale"

As crianças se interessaram demais por esse jogo que, nos dois duelos entre o Yugi e o Kaiba nos 59 primeiros capítulos, era só "eu tenho o maior número, então eu venço". Elas se investiram na fantasia de "fazer que nem o Yugi e o Kaiba e jogar monstros maneiros". À medida que o mangá foi avançando e o jogo, tanto o fictício quanto o OCG, foi se desenvolvendo, um elenco maior de personagens duelistas foram surgindo. Quando alguém entrava na playerbase do Card Game, queria reviver as batalhas épicas que viu na TV, e construir seu próprio caminho para se tornar um Duelista Lendário como Yugi, Kaiba, Jonouchi, Malik, e muitos outros... Podemos dizer que entre os adultos esse negócio de "Duelistas marcantes" tem como sucessor espiritual os Yugitubers, que podem não ser as pessoas mais lúcidas da comunidade mas com certeza são extremamente populares.



Inevitavelmente, sem os animes de Yu-Gi-Oh!, a popularidade desse jogo não ia ser tão grande. Eu estou chovendo no molhado aqui, mas de uma forma necessária: Essa brincadeira de colocar as rodinhas de treino do anime na bicicleta do OCG durou quase 20 anos (teria durado exatamente 20 se VRAINS não tivesse acabado mais cedo). Essa mudança de paradigma na franquia onde o Master Duel não mostra personagens dos animes e os animes agora são focados em um formato mais casual e obviamente voltado pro público infantil é uma consequência da Konami lentamente aprendendo a questão de formatos/jogos alternativos, e quando eu digo lentamente é LENTAMENTE, desde os anos 2000 com aquele arco filler do Mundo Virtual. Essa casualização é justamente porque eles entenderam, ainda que um pouco tarde demais, que não dá pra manter um foco muito grande no competitivo sem sacrificar acessibilidade do jogador novato. E aqui eu digo acessibilidade não só em "ter as cartas competitivas", mas também em "ter conhecimento teórico do competitivo".

É aqui que entra o textão do Robotto:

Pra começar falando desse assunto, é importante falar sobre duas coisas: Magic e PokéTCG. Não à toa, os dois maiores cardgames físicos, tanto em número de jogadores quanto em lucro. Os dois tem uma visão de mercado e uma linha de produtos muito similar, que visa acessibilidade acima de tudo enquanto lucra de maneiras mais fora do "simplesmente vender cartinha". Magic investe muito em artes alternativas, quem só quer a carta não precisa se preocupar tanto com preço quanto quem quer a versão mais bonita e exclusiva da carta. Não só isso como existem produtos focados exatamente nisso, exclusividade e não acessibilidade da carta. PokéTCG segue uma linha muito parecida. Junto disso, ambos tem um enorme apelo para outro tipo de grupo: colecionadores. Outro ponto em comum deles é a acertividade do mercado. O grosso dos jogadores desses cardgames (O grosso dos jogadores de todos os cardgames, mas esse é um ponto pra ser mais abordado posteriormente) é casual. Casual em um nível muito acima de "Não jogar com decks bons", casual no nível de sequer realmente saber as regras direito. Mark Rosewater (Chefe de design de Magic) tem um termo para isso: Jogador de mesa de cozinha. Gente que nunca tocou em torneios ou em formatos sancionados, que joga apenas por gostar e achar divertido. Jogadores competitivos são uma minoria esmagada. Isso é relevante pois significa que a grande maioria dos jogadores não está interessada em investir pesado nesse hobby, o que entra no ponto de Magic e Pokémon serem muito baratos para um hobby. Eles sabem mirar no que o público quer e precisa. 

Naturalmente sempre ouve certas cisões entre Ocidente e Oriente dentro do mercado de jogos, é de se esperar que com os cardgames não fosse diferente. Isso é facilmente visível com Vanguard, Yugioh, Buddyfight e Duel Masters (Esse próprio da Wizards) que possuíam um apelo muito diferente. Eles não visavam serem bons produtos para se colecionar e tão pouco miravam em serem desperdiciosos. Pode se dizer que eles eram mais "elitistas", eles queriam que seus jogadores jogassem "direito" e "a serio", em torneios e afins, uma visão muito sustentada por seus animes inclusive. 
Ai entra o questionamento, isso estava certo? O público oriental realmente era tão diferente assim do ocidental? Eles realmente visavam algo serio e competitivo? Hoje em dia tudo indica que não, que nunca foi assim. De maneira geral, nenhum desses cardgames realmente vingou de verdade, eles no máximo se mantiveram no mercado. Olhem pra Vanguard, Buddyfight e Duel Masters. 
Magic e PokeTCG são muito maiores, tanto no TCG quanto no OCG, que quaisquer outros. A visão ocidental deles estava dando mais certo exatamente pq ela não era uma visão "ocidental" mas sim a visão correta do público de cardgames. Yugioh conseguiu seguir "firme e forte" por conta da popularidade que ganhou com o anime, principalmente no ocidente, mas nunca conseguiu concorrer com Magic ou PokeTCG. Ele não investe em formatos casuais, não investe em direcionar uma parte de seus produtos para colecionadores, não investe em baratear seus produtos em troca de investir exclusividade. Não à toa, Yugioh se mantém como um cardgame muito mais nichado (O número de jogadores de Magic no estado de São Paulo é quase 1/3 do número de jogadores de Yugioh no brasil inteiro), eles tem um público fiel, mas que não está crescendo. 
Não está crescendo no físico, pq a cada ano o DL cresce cada vez mais, ao ponto que hoje em dia é basicamente ele que sustenta yugioh. 
Também não atoa que eles criaram o Rush Duel. É tarde demais pra tentar mudar a forma como eles fazem yugioh, nada mais justo do que tentar investir em outra coisa, algo pra mirar onde eles erraram. Também não à toa Rush no OCG já tá quase tão grande quanto o físico.


Basicamente, o que ele diz é que a mentalidade vencedora no gênero de TCGs é que você deve manter acessibilidade ao jogador entrante/casual e a especulação para o colecionador mais do que mantém a complexidade competitiva do jogo, porque no fim das contas existem muito mais jogadores casuais do que competitivos. E num país como o Brasil, onde Yu-Gi-Oh! só teve duas séries dubladas que passaram na TV aberta, essa verdade se intensifica ainda mais. O fã brasileiro médio ficou extremamente chocado ao instalar Master Duel e ver que o jogo não se joga mais da mesma forma que se jogava a uns 20 anos atrás. Veja Magic e Pokémon, por outro lado. Suas mecânicas base ainda são extremamente legíveis pro espectador. Alguém que acabou de começar a jogar Magic sabe que quando alguém vira as cartas de terreno ele tá gerando mana pra conjurar alguma coisa. Alguém que acabou de começar a jogar Pokémon sabe que só dá pra anexar 1 Energia por turno e evoluir 1 vez por turno cada Pokémon, e o resto você se vira lendo as cartas, cartas essas que não são muito complicadas de ler ou entender na prática e algumas delas nunca saem de rotação. Fora isso, esses dois jogos também te dão formatos casuais pra você experimentar e se divertir da maneira que achar melhor. Yu-Gi-Oh! por outro lado...

"Eu odeio Yu-Gi-Oh! Eu invoco 1 carinha, e então meu oponente joga uma Magia com cinco parágrafos de texto mais notas de rodapé e diz que porque eu dormi menos de 8 horas noite passada ele pode invocar o Dragão Destruidor de Culhões ou algo assim e o jogo acaba e eu deveria ir me f..., eu acho."


Essa mentalidade extremamente competitiva, chegando a ser arrogante, é algo que o próprio autor do mangá não queria que acontecesse com os jogadores de seu jogo. Ainda assim, aconteceu por conta da mentalidade do estilo de vida de TCGs por lá. Eu vou dar um exemplo: Monster Collection TCG.

Monster Collection TCG Conjunto de Iniciantes: Duelistas da Cidade Santa

Monster Collection era, junto com Pokémon TCG, um hit no cenário japonês de jogos colecionáveis. Foi publicado pela editora de RPGs Fujimishobo e projetado pelo GroupSNE, criador do sistema Sword World, uma adaptação do Sistema D20 para melhor se adequar ao estilo de vida japonês. Os jogadores também eram ávidos consumidores dos RPGs das duas editoras, e como RPGs demoram pra lançar produtos, eles eram pacientes, o que era necessário porque MonColle não lançava produtos na mesma velocidade que outros de seus contemporâneos. A lenta adição de novos recursos fez com que conhecimento teórico sendo obtido sobre o jogo fosse traduzido em habilidade bem mais rápido do que em outros card games, se tornando altamente competitivo, e sendo validado tanto pela playerbase quanto pelos criadores como um estilo de vida. Acontece que, com a coleção "Monster Collection 2", foi anunciada uma rotação, onde apenas as duas coleções mais recentes estavam válidas. Obviamente, isso não deixou os jogadores nada contentes, se sentindo alienados. Um tempão de dedicação ao jogo jogado no lixo. Isso fez com que jogadores insatisfeitos migrassem para outros jogos, como Leaf Fight, Aquarian Age, Digimon 1999 e por último, mas não menos importante, Yu-Gi-Oh! Essa foi a primeira morte de MonColle, e o jogo reencarnou várias vezes, com a versão da Bushiroad (responsável por jogos como Vanguard, BuddyFight, Weiss Schwarz...) sendo a que durou mais tempo. A versão mais recente é da própria Fujimishobo, agora comprada pela Kadokawa, mas é um ECG ao invés de TCG (ou seja, todas as cartas de uma coleção se encontram num único produto da coleção), e com apenas duas coleções.

Monster Collection Deus: Shamballa das Estrelas Gêmeas, a coleção mais recente.

A primeira morte de MonColle resultou em uma das medidas de design que a maioria das empresas de TCGs no Japão tomam até hoje: A não-existência de rotação de coleções nos seus jogos. Pokémon sendo uma das mais notáveis exceções. No entanto, Pokémon já não é o monstro que era antes lá justamente por ter escolhido esse formato de rotação. Por um lado, não existir rotação é bom, porque não importa o quão velha é a sua carta, se ela não estiver banida, pode ser usada. No entanto, como você como empresa pode fazer que o seu jogador investido e o iniciante comprem mais produto, sendo que o investido já tem tudo o que precisa, sem rotação? A resposta é powercreep. Para leigos na linguagem de jogos, powercreep é quando o conteúdo novo é objetivamente melhor que o conteúdo antigo. Powercreep não é de todo ruim, você pode usá-lo como ferramenta até chegar no estado de jogo que você deseja, mas de fato é uma solução feita muito mais com o competitivo em mente, e também uma solução que pode ser extremamente zoada de acordo com a maneira que é feita. Vanguard precisou de vários reboots porque a Bushiroad não soube conter o powercreep, e cada carta geralmente só aparece em apenas uma coleção para nunca mais. Isso aumenta muito a barreira de entrada do jogador iniciante/casual e portanto é uma decisão contrária à "mentalidade vencedora". Yu-Gi-Oh! também faz coisas parecidas, mas disfarçadas. O modelo de jogar por arquétipos dificulta muito a manutenção do jogo à medida que novas coleções saem, porque escolher alguns arquétipos pra ficarem mais fortes ou criar novos naturalmente mais fortes é esquecer os outros no churrasco. O exemplo mais marcante é o Guardião dos Portões, que nem arquétipo é, é apenas um monstro vanilla cujas partes integrantes são bem mais úteis sozinhas. O trambolho existe no jogo da Konami desde quando este tinha 6 meses de idade, e ATÉ HOJE não recebeu suporte nenhum. #JustiçaParaGuardiãoDosPortões


Fora isso, alguns arquétipos quando ganham suporte não têm seu pacote básico reimpresso, tornando os produtos apenas para uso dos jogadores que já têm esses pacotes básicos, aumentando a barreira de entrada do jogador iniciante. Uma lista com alguns dos arquétipos que ganharam suporte mas não tiveram seu pacote basico reimpresso (obrigado de novo, Robotto), incluem:

  • Vendread, 
  • Melodious, 
  • HC, 
  • Predaplant, 
  • Red-Eyes, 
  • Symphonic, 
  • Sylvan, 
  • D/D, 
  • Ghostrick, 
  • Magnet, 
  • Penguin, 
  • Triamid, 
  • Majespecter/Dinomist/Igknight, 
  • Chronomaly, 
  • Laval, 
  • Bujin, 
  • Metalfoes, 
  • Windwitch, 
  • Ojama, 
  • Constellar, 
  • Arcana Force, 
  • PK, 
  • RR, 
  • Infernity, 
  • Nephthys, 
  • Phantasm
  • E grande elenco...
A cura pra tudo isso seria simplesmente puxar a alavanca do Red Reboot e repensar o jogo todo do zero, ainda respeitando a visão do Takahashi. O problema é que japoneses têm medo de reboot (Rotação e reboot são termos intercambiáveis por lá, inclusive). Se Yu-Gi-Oh! sofresse um reboot no seu OCG, as coisas não iam dar muito certo pro jogo. Ele poderia ser estável? Sim, mas nunca voltaria a ser tão popular como foi (especialmente sem um anime pra promover), e eu não acho que a Konami está disposta a perder dinheiro no longo prazo só pra deixar um jogo saudável. Ela tava vendendo NFTs de Castlevania a uns meses atrás, sukuama! Por isso, a Konami começou a investir em jogos alternativos, que visavam a experiência anime/casual da franquia mais do que a competitiva. Assim, nasceram o Duel Links, onde você pode encarnar as personagens que você tanto ama e usar habilidades delas junto com decks que sintonizem bem com as mesmas, o Rush Duel, um formato simplificado focado principalmente no público infantil, e o Cross Duel, que é uma mistura de Party Game com Dating Simulator e árvore de habilidade pros monstros, até os que originalmente eram Vanilla/Rush...
LIBERA A ROMIN NO CROSS DUEL KONAMI EU IMPLORO UOOOOOOOOOOOOOOOOHH KODOMO ERO KODOMO NO HARA TO MUNE ERO DA 😭😭😭😭
Desse jeito, o OCG poderia não ser rebootado, mas os produtos estariam abertos a jogadores mais casuais, e os resultados falam. Duel Links é praticamente o que dá mais dinheiro pra Konami em nome da franquia Yu-Gi-Oh, mundo VRAINS tá vindo aí, e os Rush Duels estão sendo tratados com tanto esmero no Japão ao ponto de que suas vendas estão quase superando as do OCG, tá vindo um segundo videogame com os eventos de GO RUSH.

É claro, esses jogos alternativos não são tão vistos com bons olhos quanto o TCG por aqui. Talvez Duel Links e o Speed Duel ganhem um passe, mas mesmo assim eles são vistos apenas como conteúdo secundário e antigamente eram muito mais segregados como "casuais imundos *escarra e cospe*". E Rush Duel... A reação de boa parte da fanbase ocidental quanto a Rush Duel é:

Talvez seja por isso que Rush Duel ainda não lançou por aqui sendo que SEVENS já tá sendo exibido faz um tempinho...

De qualquer maneira, fã de yugioh por aqui é extremamente dodói da cabeça (eu incluso), talvez justamente por meio da injeção da mentalidade de que "Papelão Superfaturado is serious business". Obviamente essas decisões de aumento da casualidade não agradam todo mundo, mas elas são necessárias de qualquer maneira se não Yu-Gi-Oh como marca simplesmente morre. 2022 não é que nem no começo dos anos 2000 onde só tinha Pokémon e Magic de concorrente sério e tinha o anime baseado no mangá original com toda a sua glória bizarra. De fato, os anos 2020 estão trazendo uma verdadeira renascença pro gênero TCG: Digimon 2020, One Piece, Flesh and Blood, Vanguard com o reboot de OverDress, Shadowverse Evolve, UniVersus (que teve sua expansão de Boku no Hero recentemente) e outros títulos menores que poderiam se aproveitar muito bem da carcaça de um certo gigante do gênero, e eu vou dar uma dica de quem é: Não tem como ser o primeiro TCG ou o TCG da franquia de mídia que mais move dinheiro no mundo. Os anos de 2014 em diante trouxeram estragos irreparáveis no jogo principal, já estamos no ponto de não-retorno. Se Yu-Gi-Oh! parar de se abrir ao público casual, a sociedade tabuleirista eventualmente evoluirá para além da necessidade de um jogo tão desnecessariamente complicado. Sua única opção é evoluir e seguir em frente, mesmo que isso signifique fazer gente como o Sword Hunter da Cartas do Yu-Gi-Oh! com Legendas Maneiras e Bacanas se sentir traída. E como Yu-Gi-Oh! é uma franquia que lida muito com evolução inesperada e ciclos, eu sei que ela tomará essa opção de bom grado.

domingo, 5 de junho de 2022

Dualism of Duelist — Combate de Exemplo

 Este é um trecho do livreto de um RPG que eu estou escrevendo a mais de um ano, com algumas pausas devido à faculdade. O livreto está bem próximo de ser terminado, e terá um link para o pdf lançado aqui mesmo no blog.

Contém headcanon cringe de Yu-Gi-Oh! Duel Monsters e de uma certa franquia conhecida de videogames.




Meu nome é Yotsuba Kitagawa. Eu sou uma garota praticamente normal que vive em Tóquio nos anos 2040… Bom… Não adianta mentir, eu sou uma otaku. A culpa é da minha mãe, ela também é uma otaca fedida enorme desde a adolescência! De qualquer forma, ultimamente vêm acontecendo umas coisas esquisitas na minha vida. Veja, normalmente eu vou em lojas de hobby para jogar um dos meus jogos favoritos, Monstros de Duelo, e as pessoas dizem que eu pareço fora do normal, não sei por quê. Eu nunca fui de fazer aquelas expressões malucas de animes de jogos e apostas, “kakeguruimashou baaaaka” e coisas do gênero, mas dizem que conseguem sentir chamas de verdade ardendo neles quando eu jogo. Isso culminou em um dia, quando eu terminei 4-1 num torneio local. Todos os meus oponentes pareciam ter recebido queimaduras leves. Alguns até ficaram com medo de mim e se recusaram a me enfrentar em torneios seguintes. Tipo, eu agradeço as free wins, mas assustar os outros fazendo algo que eu amo não é exatamente o que eu quero.


Eu pensei comigo mesmo que meus pais não me entenderiam e me chamariam de louca, então comecei a procurar respostas na internet. Para minha surpresa, várias threads de fóruns anônimos expunham problemas parecidos. Tomei coragem e fiz uma thread eu mesma. Fui respondida de maneira bem estranha:

Talvez seu estado mental seja tão forte que você consegue manifestar poderes sobrenaturais. Se quiser conversar mais sobre isso, estarei em frente à Estátua de Quetzalcoatl no Parque Yoyogi amanhã ao meio-dia.

Estado mental forte? Poderes sobrenaturais? Eu virei uma usuária de Stand? Mas eu não levei nenhuma flechada ou não toquei em nenhum cadáver sagrado, ou será que sim? Decidi perguntar à minha mãe, já que ela não acharia a pergunta tão estranha a esse ponto e a única maneira de receber um poder desses fora das situações anteriormente citadas seria hereditariedade.

— Ei, mãe?
— Pode dizer, Yotsu-chan.
— Você é uma usuária de Stand?
— Bom… Eu diria que sim. Como eu iria ter filhos com alguém sendo uma otaku?
— Corta essa, mãe! Eu vi fotos de quando você era mais jovem e você parecia uma mistura de Kurisu e Holo, e especialmente com essa razão de cintura pra quadris própria de uma peça de xadrez, qualquer estrategista adoraria fazer de você a sua rainha.
— Então eu diria que o meu Stand se chama 「This game」, e a habilidade dele é me fazer ser um gênio — Disse ela estufando o peito com um ar convencido — Isso e os amigos que eu fiz no caminho. Não adianta ser muito inteligente e não ter conexão nenhuma. Olha só esse tanto de desgraça que existe no metaverso. Nada disso seria possível sem esforço em conjunto e falta do que fazer.

Não consegui nenhuma resposta satisfatória, então lá eu fui, estátua de Quetzalcoatl, Parque Yoyogi. O lugar estava relativamente povoado, e eu fiquei esperando, até alguém falar em voz alta:
— Oi, oi! Alguém se queimou com um jogo de cartas infantil por aqui?
As pessoas ao redor ficaram de certa forma perturbadas, mas dava pra ver que aquela era a pessoa que eu estava procurando. Era uma mulher adulta, de cerca de 1,50m. O rosto fazia ela parecer uma estrangeira, e talvez fosse por isso que ela tenha quebrado os protocolos sociais. Seus cabelos eram coloridos tal qual uma folha de glicínia caída no outono: O centro amarelado, mas que ia escurecendo para um roxo escuro nas periferias, usava um óculos de armação fina, vestia uma regata branca, encimada por uma jaqueta preta vestida como uma capa, uma saia azul claro que ia até os joelhos, e chinelos brancos. Me aproximei dela e disse:
— Sou eu.
— Prazer em te conhecer. O meu nome é Yuri H. Muto. O seu é?
— Yotsuba Kitagawa. O prazer é meu.
— Bom, Kitagawa-san, vamos caminhando pelo parque. Não dá pra te demonstrar o que eu queria dizer na resposta por aqui.

Enquanto caminhávamos pelo parque Yuri começou sua explicação:
— A História dos Jogos que nós conhecemos começa há uns 5000 anos atrás no Antigo Egito com um jogo chamado Senet. Esse era um jogo que representava a viagem do Ka, a faísca vital de um ser humano, para o outro mundo. Alguns escolares até mesmo acreditam que esse jogo podia ser usado como forma de comunicação com os mortos.
— Tá, mas o que isso tem a ver?
— Calma, tô chegando lá. Isso quer dizer que desde o começo dos jogos, eles eram relacionados com o sobrenatural e a alma humana… Meu falecido bisavô, Arthur Hopkins, era um arqueólogo e esteve em escavações no Vale dos Reis no Antigo Egito, onde ele encontrou, junto com meu outro bisavô, Sugoroku Muto, algumas ilustrações que pareciam muito com cartas de Monstros de Duelo.
— Pera aí, você quer dizer que…?
— Sim, existia uma versão ancestral desse jogo, e era um jogo sobrenatural que revelava a verdadeira essência de uma pessoa. Você não acha estranho demais surgir um jogo em 1993 nos Estados Unidos e 4 anos depois uma cidade no Japão inteira ser ocupada por um torneio do mesmo? Jogado por apenas 24 pessoas? Ou ainda, nos anos 2000 literalmente abrirem uma escola de Ensino Médio-Técnico pra formar jogadores profissionais de um jogo de cartas infantil? Ou mesmo há uns 20 anos atrás ter uma modalidade que é literalmente jogar cartas enquanto anda de moto?
— Pensando bem, agora que você falou…
— Kitagawa, provavelmente você é uma Duelista Mágica, uma Caixeira Viajante¹, uma Diam'â². Por meio dos jogos, especialmente de Monstros de Duelo, você pode colocar pessoas em juízo por suas virtudes e vícios… Bem, chegamos. — Dizia a mulher de baixa estatura, apontando para um campo aberto. — Não dava pra jogar num espaço com um monumento, a gente ia ser presa por depredar patrimônio público.
— Pera aí, você me fala que eu sou essencialmente uma maga de jogos, e você quer que eu jogue um jogo com você?
— Não se preocupe… Eu também sou uma dessas. Agora puxe o seu disco de duelo e venha me enfrentar! — Dizia ela equipando aquele brinquedo imprático no pulso e colocando seu baralho nele.
— Certo, deixa eu só consultar a Amane.
— Amane?
— “Amane”m ferrando! Você provavelmente quer a minha alma pra algum tipo de culto maligno pra reviver uma entidade há muito adormecida! Ou pior ainda, vai dar um jeito de me mandar pras Filipinas!
— Filipinas? Eu ia era te mandar pra Detroit, isso sim! Mas sério, se você não entender como as coisas funcionam, não vai conseguir controlar seus poderes e vai continuar fazendo as pessoas se queimarem nas locais. Ou pior, imagina você fazer um cara entrar em combustão espontânea num DMCS? Eu prometo não te mandar nem mesmo pras Filipinas.
— Certo…

Timidamente peguei meu disco de duelo na mochila e o equipei junto com o baralho. Depois, eu e Yuri nos afastamos uns 80 metros uma da outra e então gritamos:

— Duelo!!

PVs de Yotsuba: 4000

PVs de Yuuri: 4000


Duas duelistas estão para começar um Jogo das Trevas. O jogo em questão é Monstros de Duelo, usando a Master Rule 1. Os jogadores envolvidos rolam a Iniciativa. Yotsuba tem Proficiência Soberba e Yuuri tem proficiência Ótima. Como o Teste de Iniciativa é uma Ação Oposta, os jogadores rolam 2dF. Yuuri rola um +2, enquanto Yotsuba rola um 0. Isso deixa a Iniciativa de Yuuri em Lendária, maior que a de Yotsuba, que continua Soberba. Portanto, Yuuri pode decidir quem vai primeiro.


— Eu vou primeiro! — Diz Yuuri, comprando 6 cartas do topo de seu baralho.

“Já era pra mim! Ferrou de vez!” Pensava eu. Minha oponente parecia poderosa demais. “É agora que eu enfrento meu fim. Pra quê lutar?”

Uma infância longe da mãe, ocupada em trabalhar no Vale do Silício, deixou Yotsuba com algumas sequelas psíquicas. Muitas coisas se passavam na cabeça dela, inclusive o pensamento de que talvez ela não fosse boa o bastante para sobreviver neste mundo. Mecanicamente, Yotsuba tem a Desvantagem Insano: Depressivo. Quando ela entrou em combate, o Mestre rolou um dado, cujo resultado foi 4. Como consequência, os pensamentos depressivos tomaram conta de sua cabeça, dando uma penalidade de -1 em todos os seus Atributos.

— Eu vou começar ativando a Magia Contínua Coração do Oprimido! Vou baixar um monstro e outras duas cartas e termino minha vez!

Coração do Oprimido? Isso significa que o seu Deck é baseado em… Vanillas?! Eu entendo, nem todo mundo é capaz de comprar bons decks, mas pra alguém que quer me testar isso é patético!


— Pra alguém que parecia um pouco pra baixo quando eu peguei o primeiro turno, você parece ter mudado rápido de situação. Espere e verá.

— Hm… Certo… É a minha vez! Eu compro! — Disse, fazendo a draw do turno. Certo! Eu vou começar Invocando a Defensora de Nephthys em Modo de Ataque!


Naquele momento, uma sensação estranha percorreu o meu corpo. Eu já a tinha sentido antes, mas não dei muita atenção… Agora, com todas as coisas novas em mente, era diferente. Decidi me entregar ao momento, e de repente uma luz azulada me cerca. As luzes se afastam de mim, tomando uma coloração amarelada e indo em direção ao holograma do monstro que eu havia acabado de invocar no jogo… Eu consegui sentir uma outra presença naquele local. Uma presença além de mim e de Yuuri… Poderia ser… A Defensora que eu acabei de invocar?


O jogador controlando Yotsuba resolveu fazer com que, na Invocação-Normal da Defensora de Nephthys, sua personagem manifestasse seu Ka, que no caso era exatamente a tal defensora. Manifestações dos poderes durante os Jogos das Trevas não são obrigatórias. Um duelista experiente deixaria o uso desses poderes em situações extremas ou didáticas, já que eles podem muito facilmente colocar a vida de um duelista em risco. Esse não é o caso de Yotsuba, que está aprendendo a lidar com seus poderes.

— Vou continuar, ativando seu efeito! Ao destruir uma carta na minha mão, eu posso Invocar um monstro “Nephthys” especialmente da minha mão! Eu destruo a Matriarca de Nephthys para invocar a Discípula de Nephthys em Modo de Defesa!

Naquele momento, meu monstro invocado pegou sua espada dourada e se concentrou. Eu senti na minha mente palavras de um feitiço sendo conjurado. Terminada a conjuração, a guerreira cravou a lâmina no chão, com um portal se formando. Desse portal, saiu uma garota que parecia uma criança entre 9 e 12 anos, com roupas vermelhas e um chapéu extravagante. Eu também podia sentir sua assinatura energética. De repente, as duas olharam para mim e acenaram que sim com suas cabeças, como se estivessem aguardando os meus comandos.


Aquilo era muito real para mim.


O jogador de Yotsuba, ao ativar o efeito da Defensora, decidiu que queria uma invocação real da Discípula de Nephthys. O Mestre de jogo considerou isso uma magia de dificuldade Trivial (Medíocre), com os Potenciais relevantes sendo Vento (o Atributo da Discípula), Daimônica e Negra (a destruição de uma carta da mão). Os Potenciais relevantes da Defensora eram 1 de Vento e 1 Daimônica, totalizando 2 Potenciais relevantes. Por não serem 3 Potenciais, a dificuldade aumentou em 1 Nível, fazendo com que tenha que se rolar um resultado Razoável ou melhor para a magia ser um sucesso. A Perícia em Controle do Caos da Defensora é Razoável, o que significa que um 0 ou melhor já daria conta do recado. O jogador rolou um +1. A magia foi um sucesso!

— Vou continuar ativando a Magia Enterro Extra-Tolo! Essa carta me permite pagar metade dos meus Pontos de Vida para enviar um Monstro do Deck Adicional para o Cemitério. Com isso, eu envio para o Cemitério o Monstro Sincro Arauto da Luz do Arco!


PVs de Yotsuba: 2000.


— No turno em que eu ativo essa Magia, eu não posso colocar Magias e Armadilhas viradas para baixo. Agora eu ativo o efeito do Arauto! Se ele for enviado para o Cemitério, eu posso adicionar 1 Monstro de Ritual ou 1 Magia de Ritual do meu baralho para a minha mão. Eu adiciono a Magia de Ritual Renascimento de Nephthys!


Quando eu citei a magia, as meninas da minha frente olharam para mim de novo, não com um olhar de preocupação, mas de prontidão… Era como se elas me conhecessem de longa data, e talvez sim, elas tenham me conhecido de longa data. Talvez nós fomos amigas por meio das cartas o tempo todo e nós nem sabíamos!


— Eu ativo a Magia de Ritual Renascimento de Nephthys! — Bradei em alta voz. Naquele momento, uma estátua gigante apareceu atrás de mim. Era uma fênix com torso e braços humanos, e dos quadris para baixo, era um corpo de ave só que com detalhes mecânicos. À frente dela, havia um altar. Me virei para estátua, assim como meus dois monstros, que fizeram reverência ante ela.

— Eu ofereço como tributo a Discípula de Nephthys! Tu que Trazes Segurança Aos Mortos, digna-te a aceitar essa oferenda! — Quando eu disse isso, a jovem sem demora pulou em cima do altar. Os olhos da estátua queimaram, e a garota foi envolvida em chamas. Quando as chamas se apagaram, não tinha mais nada lá. No entanto, a estátua começou a rachar, e das rachaduras saía uma luz azulada. De repente, a estátua se quebra, revelando uma versão mais velha da garota que tinha sido sacrificada para a deusa da noite. Ela pula à minha frente, e faz uma pequena vênia, como se estivesse se portando na frente de uma rainha. Em seguida, corre para o campo de batalha, à medida que o altar desaparece.

Ali, Yotsuba decidiu fazer uma Magia de Ritual para Invocar a Condutora de Nephthys por Ritual. Uma Magia de Ritual é considerada uma Magia de Dificuldade Muito Potente (Ótima) com os Potenciais relevantes sendo Ritual, Vento e Daimônica. Yotsuba e a Defensora são parceiras, então juntam seus Potenciais na hora de lançar a magia. Elas têm 1 Ritual, 1 Vento e 1 Daimônica, totalizando 3 Potenciais, o mínimo que precisa para manter a dificuldade. Yotsuba tem Controle do Caos Razoável, o que significa que é necessário um +2 ou maior para uma magia bem sucedida. Yotsuba decidiu colocar palavras no meio da conjuração, então o Mestre decidiu recompensá-la com um bônus de +1, fazendo necessário apenas um +1 ou maior para um sucesso. Os dados são rolados, e cai exatamente um +1. A magia foi um sucesso!


— Então, você é uma usuária de Ritual? — Disse a mulher baixinha — É uma raridade ver um desses. Agora eu estou interessada. Que tipo de poderes você há de trazer para cá?
— Vou te mostrar agora. Eu ativo o efeito da minha recém-invocada Condutora de Nephthys! Se ela for Invocada por um Ritual, eu posso Invocar um Monstro de Ritual da minha mão ou do Baralho, e essa invocação contará como uma Invocação-Ritual! Eu invoco a Fênix Cerúlea Sagrada de Nephthys por Invocação-Ritual!

A garota recém-invocada se concentrou, aumentando sua voz como se estivesse canalizando seu poder. Em seguida, ela bateu com sua mão no chão, um choque de energia azulada passa por ela e ela parece confusa. O holograma da fênix aparece, mas eu não consigo sentir nenhuma vida nele…


A Condutora tentou fazer uma Magia de Ritual para trazer a Fênix Cerúlea Sagrada de Nephthys. Os Potenciais relevantes são Ritual e Daimônica, e Yotsuba possui uma Ligação Natural com a Condutora, permitindo que a mesma use os Potenciais Mágicos de Yotsuba. Isso faz com que seus Potenciais sejam 3 Ritual e 2 Daimônica, mantendo a dificuldade. O Controle do Caos da Condutora é Razoável, então é necessário rolar um +2 ou melhor para um sucesso. O dado é rolado e resulta em um -1. A magia falhou, deixando a Condutora atordoada por 1 Rodada de Combate. No entanto, o efeito dentro do jogo aconteceu como deveria. Nesta situação, o uso de poderes é paralelo ao jogo. Tenha em mente que em alguns Jogos das Trevas, os poderes são parte integrante do jogo. Um exemplo seria uma corrida onde você pode usar os poderes para atrapalhar seus adversários.

— Condutora? Tudo bem com você? — Digo, preocupada.

— Ela falhou em seu feitiço e está atordoada. — Respondeu Yuuri— Acontece às vezes, especialmente quando se está invocando um poder tão grande quanto o de um ritual. Ela vai ficar bem, não se preocupe. Por hora, continue seu turno.

— Certo. Eu ativo o efeito da Fênix! Eu destruo a Fênix Sagrada de Nephthys na minha mão para destruir o seu monstro virado para baixo!

— Muito bem. Minha carta baixada era o Jarro Metamorfo.

— Isso! Experimenta ficar sem reciclar a mão!

— Diz quem tá sem carta nenhuma na mão agora.

— Não esquenta, se houver uma próxima rodada eu ainda tô firme e forte.

— Não acho que esse será o caso.

— Também não acho. Se as suas setadas não me impedirem, eu vou te estraçalhar. Batalha! Defensora de Nephthys, ataque a Senhorita Muto diretamente!


A guerreira avança, com uma boa velocidade, rumo a Yuuri, prestes a lançar mão de sua espada para ferí-la, mas…


— Neste momento, eu ativo minha Armadilha!
— Sabia…
Emissárias da Reconciliação! Neste turno, eu não recebo dano de batalha! E em resposta às minhas Emissárias, eu ativo outra Armadilha!

— Quê?!

Ninho do Agulheto! Com essa carta, eu envio as 5 cartas do topo do meu Baralho para o Cemitério!


Após a resolução do Ninho do Agulheto, apareceram 3 mulheres vestidas com véus azuis, segurando uma pequena jóia. Elas ficaram na frente de Yuuri e passaram uma aura pacificadora que acalmou a Defensora.


Emissárias da Reconciliação (Waboku) é uma magia Potente (Bom) com os Potenciais Relevantes sendo Magia Branca e Magia Ilusória. Yuuri tem apenas 1 Potencial de Magia Branca, fazendo com que a dificuldade aumente em um Nível (Ótimo). O Controle do Caos de Yuuri é Soberbo — Ela não tem a limitação porque ela tem o Superpoder Caos — Isso significa que um -1 ou maior torna a magia um sucesso. Ela rola um +3, fazendo com que não só os danos contra ela sejam evitados, mas haja uma pacificação da Defensora que estava prestes a atacar. A Defensora por si só estava receosa, porque contando com a Condutora, eram 2 contra 1 e ela não acredita em combates injustos, no entanto, a Condutora estava atordoada e portanto ela decidiu atacar. Por isso, o Mestre decidiu vetar um possível teste de resistência à pacificação da Defensora.

— Bom, eu não tenho mais o que fazer. Termino meu turno.
— Pois muito bem. É a minha vez! Eu compro! Pelo efeito do Coração do Oprimido, eu revelo a carta que eu comprei: Servo Caveira! Por ele ser um Monstro Normal, eu compro mais 1 carta! Na minha Fase Principal, eu ativo Fascinação das Trevas! Eu compro 2 cartas, mas eu vou ter que banir 1 Monstro TREVAS da minha mão. Portanto, eu bano o Servo Caveira! Em seguida, eu ativo a Destruição de Cards! Nós descartamos todas as cartas da nossa mão e compramos o mesmo número de cartas que descartamos. Portanto, eu compro 3 e você não compra nenhuma!
— Tem que flexionar, né?
— Mas é claro! Que graça um jogo tem sem um trash talking? E lembrando, você fez isso comigo primeiro… Sabe, eu vi a cara de desespero que você fez quando eu disse que ia primeiro. Tá na hora de eu fazer você lembrar dela. Você ficou maravilhada e coisa e tal com seus novos poderes mágicos, mas é hora de você conhecer o lado sombrio deles e o porquê desses jogos se chamarem “Jogos das Trevas”.
— Pera aí, eles se chamam “Jogos das Trevas”?
— Sim, e daí?
— Ow The Edge. Parece algo saído da mente de um moleque chuunibyou com 12 anos de idade!
— Já basta. Eu Invoco o Panda do Tesouro por Invocação-Normal! Ativo o seu efeito! Ao banir até 3 Cartas de Magia ou Armadilha do meu Cemitério viradas para baixo, eu posso fazer a Invocação-Especial de um Monstro Normal com o Nível igual ao número de cartas que eu bani por esse efeito do meu Baralho. Eu bano as Emissárias da Reconciliação do meu Cemitério. Apareça, meu funni skeleton man! Hellbound!

Naquele momento, a mesma luz azulada cerca o corpo de Yuuri e sai dela, formando um crânio humano numa nuvem arroxeada.


— Esqueleto? Cadê o resto do corpo, então?
— Não importa. Eu tenho que te dizer uma coisa, Yotsuba-chan: O efeito do Panda do Tesouro não é limitado a uma vez por turno.

— !!!

— Agora, eu vou banir Ninho do Agulheto! Venha, meu segundo Hellbound! E em seguida, eu bano a Destruição de Cards! Venha, meu terceiro Hellbound!



Quando os dois outros Hellbounds tinham sido invocados, algo estava diferente: Eles eram apenas hologramas. Pensei que ela só tinha 1 daquele monstro como parceiro e respondi:


— Legal, legal. Mas até onde eu sei, nenhum monstro no seu Campo é um Regulador, e não existe nenhuma fusão entre esses cranícolas aí.

— Eu não preciso de uma Fusão ou de uma Sincronização. Só preciso das duas cartas na minha mão. Eu ativo a Magia Poder do Triângulo! o Poder de Ataque original de todos os meus Vanilla de Nível 1 sobem em 2000 pontos! HaaaaaaaaaaAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!! — Yuuri grita, com uma aura alaranjada se expandindo de seu corpo e se transferindo em formas triangulares para os crânios. A nuvem de fumaça roxa circundando eles se tornou muito maior do que normalmente é. A terra treme um pouco, com algumas erosões no solo se formando a partir de Yuuri.


O Poder do Triângulo fortalecendo 1 monstro aqui é uma Magia com Dificuldade Muito Potente (Ótima) com os Potenciais Relevantes Negra e Branca. Como antes, por não ter Potenciais o bastante, a dificuldade sobe para Soberba. Com o Controle do Caos de Yuuri em Soberbo, bastava rolar um +1 que a magia seria um sucesso, no entanto o Mestre, que a está controlando, declara que ela está gastando seu Potencial de Magia Branca para um sucesso automático.

— Ok… Isso me assustou um pouco, mas 2500 ATK ainda não é o bastante pra destruir a Fênix Cerúlea, e mesmo atacando meus outros dois monstros você não tem letal. No meu próximo turno, a Matriarca e a Fênix original vão ser invocados do Cemitério, e é bem provável que eu consiga fazer o bastante pra me livrar desses seus monstros.
— Não se preocupe, eles serão destruídos na Fase Final.
— Então por que você fez isso? Só pra continuar se exibindo?
— Também, mas é porque não vai ter Fase Final! Eu ativo a última carta da minha mão, Atacante Delta! Eu só posso ativar essa carta quando há 3 Monstros Normais com o mesmo nome no meu Campo! Eles podem fazer ataques diretos neste turno!
— Ah, não brinca!
— Batalha! Acabem com isso, Hellbounds! Um de vocês, ataque a Yotsuba-chan diretamente!

Um dos crânios, o que era real, começa a voar em alta velocidade e me acerta no estômago, fazendo eu cair ajoelhada no chão.


PVs de Yotsuba: 0


— CARALHO! ISSO DOEU DE VERDADE, PORRA! — Disse eu, no solo, tentando conter minhas lágrimas.

O Hellbound tenta um ataque contra Yotsuba. O Poder de Ataque do Hellbound agora está em Lendário IV, mais do que o bastante pra matar qualquer ser humano. Fora isso, Hellbound tem a Perícia em Esmagamento Soberba, tornando o Poder de Ataque Lendário VII por conta do modificador +3. Ciente disso, o Mestre considera pegar leve e fazer o dano no máximo ser uma Ferida Média. O ataque do Hellbound havia sido influenciado por uma Magia Branca e, por Yotsuba e a Defensora de Nephthys serem parceiras, Yotsuba tem Magia Daimônica. Personagens com Magia Daimônica são vulneráveis contra Magia Branca. Yotsuba não tenta se desviar no caso, por estar sob o efeito da Insanidade e estar catatônica com o que havia acabado de acontecer. Então temos um Fator de Ataque 2dF+10 contra um Fator de Defesa 2dF-12. Os dados são rolados, Yuuri consegue um -2, tornando seu FA 8 e Yotsuba consegue um +2, tornando seu FA -10. 8-(-10) = 18. Ferida Crítica que será reduzida para uma Ferida Média. No entanto, devido ao efeito da parceria, essa Severidade de dano é dividida entre as duas parceiras, tornando a Severidade 9 para as duas. No caso da Defensora, essa Severidade diminui em 10, porque o seu Vigor é 10 Escalas menor que o de Yotsuba. Resumo, a Defensora não sofre dano, mas Yotsuba sofre uma Ferida Média, ficando com o Vigor em Medíocre, deixando-a ferida. Algo diferente acontece com a Condutora, porque apesar de ela ter uma Ligação Natural, ela não é uma Parceira. Então o dano não é dividido, resultando em Severidade 8 para a sacerdotisa. Uma Ferida Crítica, que força seu Vigor para Terrível -3 na Escala Minúscula, matando-a. Quando você pega leve com uma personagem, isso não se aplica a personagens que receberiam dano por tabela, como Parceiros e Aliados com Ligação Natural.


Eu me levanto, abalada com o que tinha acabado de acontecer. Então eu vejo minha oponente impondo suas mãos sobre o crânio, e suas nuvem de fumaça diminui:
— Pronto. Agora você não vai mais ser destruído.

Após ela dizer isso, eles desaparecem e ela caminha até mim:


— Foi exatamente isso o que eu quis dizer com “lado sombrio desse jogo”. Magia e afins são coisas muito perigosas de se lidar e o uso incorreto pode ser fatal. Sabe, eu peguei leve com você porque eu sabia que se eu invocasse os 3 Hellbounds com força total, eles iriam te matar — Após isso, ela aponta para o corpo sem vida da Condutora no chão.

— Essa não! Não tem como revivê-la ou algo assim?

— Infelizmente eu não sei fazer uma coisa dessas, me desculpe…

— E agora? — Disse eu, novamente tentando conter minhas lágrimas.

— Bom… Apenas esconjure-as. O jogo acabou, e o Mundo dos Espíritos dos Monstros de Duelo é muito incerto. Lá, a barreira entre a vida e a morte é bem mais cinzenta do que neste mundo, então só podemos esperar que ela esteja bem. Não é mesmo, Defensora?


A guerreira loira com pele vermelha e armadura dourada faz que sim com a cabeça. Então, eu enxugo minhas lágrimas e penso comigo mesma: “Esconjurar”. Num instante, a Defensora e o cadáver da Condutora somem dali.


 — Bom, Yotsuba-chan. Você deve estar em choque pelo que acabou de acontecer. Quer comer alguma coisa pra se consolar? Fica por minha conta.

— Acho que tudo bem.


Eu estava prestes a sair dali, quando uma figura familiar se aproximou do local. Uma mulher também um pouco baixinha, usando um sobretudo preto e calça slim com botas marrons. Era ruiva, com os cabelos presos por trás, deixando uma franja em dois segmentos pela frente, com um óculos de armação quadrada.

— Bom, ao que parece eu não vou poder te proteger por muito mais tempo…

— Pera aí… Mãe?

— Ora, ora, se não é a velha e-girl da Twitch — Disse Yuuri, como se já a conhecesse faz muito tempo.

— Vocês duas… Se conhecem?
— Sim — Disse a minha mãe — Trabalhei junto com ela em um projeto de mapeamento 3D de algumas pirâmides no Vale dos Reis. Foi quando ela me revelou que também tinha esse tipo de poder.

— Espera um pouco. “Também”? Isso quer dizer que…


— Eu sou um tipo diferente de invocadora, filha. Você consegue manifestar esse poder no mundo real. Eu, por outro lado, consigo manifestá-lo em aparelhos eletrônicos conectados à internet. Você pode dizer que eu sou uma tecnomante. Parece uma limitação, mas a internet está em todos os lugares agora, então eu também sou praticamente uma bruxa. Hehehe


Então, ela arregaçou a manga esquerda de seu sobretudo, revelando um disco de duelo retrátil. Ela simplesmente pegou a carta do topo do seu baralho e a colocou na lâmina do disco:


— Apareça, Bismunismo Rarometalmórfico!


O disco emite uma luz diferente da que normalmente emitiria para projetar o holograma do monstro, e essa luz forma uma mulher de cabelos arroxeados com roupas pós-apocalípticas em cima de um veículo monociclo motorizado.


— Mãe, eu tenho duas perguntas: Por que você não me contou e por que você está aqui?
— Eu achei que seria melhor você aprender sobre isso quando já estivesse mais velha. Muitas pessoas não têm um poder despertado e dizer pra uma criança que ela “vem de uma linhagem de feiticeiros” sendo que o poder dela nem despertou poderia causar um sofrimento que eu não queria te causar. E bom… Na segunda pergunta, tem dois motivos. Primeiro, eu tô de férias. Segundo, eu acesso esse tipo de fórum anônimo de vez em quando, desde que eu era criança. Quando você me disse mais cedo que estava indo ao Parque Yoyogi depois de me perguntar se eu tinha um Stand eu simplesmente liguei os pontos.
— Compreensível. Como sempre, você está um passo à minha frente.
— Se acalme, filha. Tudo tem o seu tempo e eventualmente o aluno supera o mestre.
— Falando em “mestre” — Disse Yuuri — Há alguns anos, eu faço parte de uma Academia de Duelos para duelistas despertos no Oregon. Eu ministro aulas por lá sobre estratégias obscuras. Daqui a algum tempo, estaremos abrindo provas de admissão para alunos que já terminaram o Ensino Médio. Você gostaria de participar?
— Eu não sei. Por um lado, eu quero sim ficar mais perto da minha mãe, mas eu não quero deixar o papai sozinho aqui no Japão, às vezes ele até esquece de comer de tão compenetrado que fica na produção de suas artes.
— Entendo… Bem, você tem 3 meses pra se decidir. A prova de admissão é em Maio. Então, vamos comer?
— Tudo bem, vamos. Aliás, mãe… O papai também tem poderes?




Fichas de Personagem


Yotsuba Kitagawa (Duelista Iniciante)
  • Vigor Ótimo, Proficiência Soberba, Poder de Ataque Razoável, Poder de Defesa Razoável;

  • Perícia em Controle do Caos Razoável, Perícia em Falsificação Ótima, Perícia em Furtividade Ótima, Perícia em Jogos Soberba, Perícia em Máquinas Soberba, Perícia em Pintura Ótima;

  • Manifestação de Ka (Defensora de Nephthys, +2 Vantagens), Magia de Ritual I;

  • Foco de Conjuração (suas cartas), Má Fama (queimou colegas de jogo), Insano (Depressivo).

Defensora de Nephthys (Pessoa Comum +2 Vantagens)
  • Vigor Medíocre [Escala Minúscula], Proficiência Boa, Poder de Ataque Bom [Escala Incrível], Poder de Defesa Bom;

  • Perícia em Controle do Caos Razoável, Perícia em Corte Soberba, Perícia em Fogo Soberba, Perícia em Sônico Soberba, Perícia em Terrenos Boa (Santuários);

  • Parceiro;

  • Magia Daimônica I, Magia de Vento I;

  • Código de Honra (Caminho das Flores), Devoção (Defender quem estiver tentando reviver o Ka de Nephthys), Foco de Conjuração (sua espada).


Discípula de Nephthys (5 Atributos Razoáveis, 4 Perícias Boas)
  • Vigor Razoável [Escala Minúscula], Proficiência Boa, Poder de Ataque Ruim [Escala Minúscula], Poder de Defesa Ótimo [Escala Incrível];

  • Perícia em Ciências Proibidas Ótima, Perícia em Controle do Caos Razoável, Perícia em Fogo Boa, Perícia em Religião Ótima, Perícia em Sônico Boa;

  • Patrono;

  • Magia Daimônica III, Magia de Fogo I, Magia de Vento I.


Condutora de Nephthys (5 Atributos Razoáveis, 4 Perícias Boas)
  • Vigor Medíocre [Escala Minúscula], Proficiência Boa, Poder de Ataque Ótimo [Escala Incrível], Poder de Defesa Ruim [Escala Minúscula];

  • Perícia em Controle do Caos Razoável, Perícia em Fogo Ótima, Perícia em Petição a Nephthys Razoável, Perícia em Sônico Ótima;

  • Clericato;

  • Alinhamento Divino, Magia Daimônica II, Magia de Vento I, Magia de Ritual II, Taumaturgia (Nephthys I);

  • Restrição de Poder (Quando não está fazendo um Ritual).


Yuuri H. Mutou (Duelista Profissional)
  • Vigor Ótimo, Proficiência Ótima, Poder de Ataque Razoável, Poder de Defesa Razoável;
    Perícia em Armadilhas Soberba, Perícia em Ciências Proibidas Soberba, Perícia em Controle do Caos Soberba, Perícia em História Soberba, Perícia em Jogos Soberba, Perícia em Máquinas Ótima;
    Expansão de Ka, Reserva de Ba II;
    Manifestação de Ka (3 Hellbounds), Magia Branca I, Magia Daimônica I, Caos I;
    Restrição de Poder (Quando não está em um Jogo das Trevas), Poder Vingativo, Código de Honra (Caminho das Flores).
 
Hellbound (Duelista em Ascensão)
  • Vigor Razoável [Escala Minúscula], Proficiência Razoável, Poder de Ataque Soberbo, Poder de Defesa Bom;

  • Perícia em Controle do Caos Razoável, Perícia em Esmagamento Soberba, Perícia em Intimidação Soberba, Perícia em Frio Ótima, Perícia em Químico Soberba, Perícia em Terrenos Soberba (Desertos);

  • Parceiro, Ataque Especial;

  • Magia Daimônica II, Magia Negra I, Raça (Esqueleto);

  • Deficiência Física (Surdo).

 
¹ Caixeiro Viajante: Tradução de Huckster, uma classe no RPG de mesa Deadlands. São magos que manifestam sua magia por meio de jogos, geralmente pôquer.
²Diam'â: Do egípcio médio 𓏙𓏶𓅓𓂝, que significaria "Sacerdote que designa". "Designar" aqui seria designar os Monstros de Duelo para cumprir suas ordens.

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